quarta-feira, 29 de agosto de 2007

D. Tributário - PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO

AI nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 - PE (2005⁄0055112-1)
RELATOR
:
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
EMBARGANTE
:
FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR
:
IANA NARA SÁ MACIEL CAVALCANTE E OUTRO(S)
EMBARGADO
:
CAXANGÁ VEÍCULOS LTDA
ADVOGADO
:
GLÁUCIO MANOEL DE LIMA BARBOSA E OUTRO(S)
EMENTA
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118⁄2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.
2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.
3. O art. 3º da LC 118⁄2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118⁄2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118⁄2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida.


ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher a argüição de inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118⁄2005, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Castro Filho, Laurita Vaz e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Luiz Fux e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Gilson Dipp.
A Sra. Ministra Nancy Andrighi foi substituída pelo Sr. Ministro Castro Filho.
Sustentou oralmente, pela Fazenda Nacional, o Dr. Cláudio Xavier Seefelder Filho.

Brasília, 06 de junho de 2007.



MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
Relator


MINISTRO RAPHAEL DE BARROS MONTEIRO
Presidente


AI nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 - PE (2005⁄0055112-1)
EMBARGANTE
:
FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR
:
IANA NARA SÁ MACIEL CAVALCANTE E OUTROS
EMBARGADO
:
CAXANGÁ VEÍCULOS LTDA
ADVOGADO
:
GLÁUCIO MANOEL DE LIMA BARBOSA E OUTROS

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118⁄05, suscitado em decorrência de decisão do STF, em circunstâncias a seguir explicitadas.
Apreciando recurso especial em ação de repetição de indébito, a 2ª Turma, seguindo orientação pacificada na 1ª Seção, decidiu que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo prescricional, para efeito do art. 168, I do CTN, deve observar "a sistemática dos cinco mais cinco", ou seja: o termo a quo desse prazo não é a data do recolhimento do tributo indevido, nem do trânsito em julgado da declaração de inconstitucionalidade, mas sim a data da homologação expressa ou tácita do lançamento, pois somente então é que ocorre a extinção do crédito tributário (fls. 592⁄605).
A Fazenda interpôs embargos de divergência, sustentando, quanto ao ponto, o seguinte:

"(...)Ocorre que, em 09.02.2005, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei Complementar n° 118, que promove alterações no Código Tributário Nacional e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 do mesmo diploma legal. Assim reza o art. 3° da citada lei:
"Art. 3°. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 10 do art. 150 da referida Lei."
Para melhor compreensão da questão, convém transcrever os artigos 150, § 1 ° e 168, I, verbis:
"Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento."
"Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário."
Vê-se, portanto, que, com o advento do art. 3° da Lei Complementar n° 118, cujo caráter é de lei interpretativa, findou-se a controvérsia jurisprudencial e doutrinária que girava em tomo da questão do termo inicial a partir do qual deve ser contado o prazo prescricional de cinco anos para pleitear a repetição do indébito, porquanto o artigo em questão dispõe expressamente que, para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 do Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida lei e, portanto, é a partir daí que começa a fluir o prazo qüinqüenal para que o contribuinte pleiteie a repetição do indébito. Logo, não há qualquer razão para que subsista a tese dos "cinco mais cinco". O legislador, através de interpretação autêntica, tratou de dissipar as dúvidas e apaziguar a questão.
Cabe, desde logo, uma breve digressão para que se reafirme que o art. 3º da LC n. 118 é um dispositivo interpretativo e, nesta qualidade, deve se aplicar não apenas imediatamente, mas também retroativamente. Senão, vejamos o que dispõe o art. 106, I do CTN acerca das chamadas leis interpretativas.
"Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;"
Lei interpretativa, como é de todos sabido, é aquela que não inova, que se limita a esclarecer dúvida surgida com o dispositivo anterior. Excepcionalmente o ordenamento jurídico permite sua aplicação a fatos pretéritos, porquanto a lei primitiva trazia em seu seio dúvida e insegurança; A lei nova visa a espancar a dúvida e restabelecer a segurança na aplicação da lei.
A Fazenda Nacional, reiteradamente, tem defendido a tese da prescrição qüinqüenal contada a partir do pagamento indevido. Isto porque esta é a tese que melhor se coaduna com a correta exegese dos artigos 150, § 1º e 168, I do CTN, este agora devidamente aclarado pelo dispositivo da LC n. 118, que dado seu caráter interpretativo deve ter seus efeitos projetados inclusive sobre fatos ocorridos antes de sua vigência. Tal entendimento é reforçado pelo disposto no art. 4º da LC n. 118, verbis:
"Art. 4º - Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional" (fls.616⁄618).

A 1ª Seção negou provimento aos embargos em acórdão por mim relatado e assim ementado:
"TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRESCRIÇÃO. NOVA ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835⁄SC. LC 118⁄2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043⁄DF.
1. A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835⁄SC, Rel. para o acórdão Min. José Delgado, sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador, sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito. Adota-se o entendimento firmado pela Seção, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994⁄SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003).
2. O art. 3º da LC 118⁄2005, a pretexto de interpretar os arts. 150, § 1º, 160, I, do CTN, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a "interpretação" dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Portanto, o art. 3º da LC 118⁄2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
3. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118⁄2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF.
4. Embargos de divergência a que se nega provimento.( ( fl.667)

Houve embargos de declaração, visando a obter a manifestação sobre a indispensabilidade da instauração do incidente previsto no art. 97 da CF, ao fundamento de que a Seção não poderia deixar de aplicar o art. 4º, segunda parte, da LC 118⁄05 sem que a sua inconstitucionalidade tivesse sido previamente declarada pela Corte Especial (fls. 683⁄689). Os embargos foram rejeitados, à consideração de que não havia omissão a ser sanada (fls. 691⁄695).
A Fazenda Nacional interpôs recurso extraordinário, alegando ofensa ao princípio da reserva de plenário, previsto no art. 97 da Constituição (fls 702⁄708). O STF deu provimento ao recurso, nos seguintes termos:
"Este Tribunal reputa declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que - embora sem o explicar - afasta a incidência de norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sobre critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição ( v.g. RE 240.096, Pertence, RTJ 169⁄756), sendo esta a hipótese dos autos.
Portanto, está caracterizada a violação do princípio constitucional de reserva de plenário, haja vista que o acórdão recorrido que declarou a inconstitucionalidade da lei, resultou de julgamento de órgão fracionário, e não consta nos autos notícia de declaração de inconstitucionalidade proferida por órgão especial ou plenário.
Procede o presente RE, a, baseado no permissivo constitucional da alínea a, por violação ao art. 97 da Constituição (v.g. RE 273.672 - AgR, 03.09.2002, 1ª T, Ellen).
Dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, C. Pr. Civil) para reformar o acórdão recorrido e determinar a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça, a fim de que seja realizado novo julgamento nos termos do artigo 97 da Constituição Federal" (fl. 419).

Assim, cumprindo a decisão do STF, a 1ª Seção determinou o processamento de incidente de inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Complementar n. 118⁄05, na parte que determina a aplicação retroativa do disposto no art. 3º da mesma Lei.
Em atendimento ao disposto no § 1º do art. 200 do RISTJ, o Ministério Público Federal emitiu parecer de fls. 741⁄750 pela declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar n. 118⁄2005, e do não acolhimento dos embargos.
É o relatório.


AI nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 - PE (2005⁄0055112-1)
RELATOR
:
MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
EMBARGANTE
:
FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR
:
IANA NARA SÁ MACIEL CAVALCANTE E OUTROS
EMBARGADO
:
CAXANGÁ VEÍCULOS LTDA
ADVOGADO
:
GLÁUCIO MANOEL DE LIMA BARBOSA E OUTROS
EMENTA
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118⁄2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA.
1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.
2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las.
3. O art. 3º da LC 118⁄2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal.
4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118⁄2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência.
5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118⁄2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI).
6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI(Relator):
I - Objeto do incidente de inconstitucionalidade

1.Para adequada compreensão do tema, importa ter presente o teor dos seguintes dispositivos:

LC 118⁄2005:
"Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional".

CTN:
"Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados"

O que aqui se questiona é, fundamentalmente:
(a) a natureza - se interpretativa ou não - do art. 3º da LC 118⁄05, e, conseqüentemente,
(b) a legitimidade constitucional do art. 4º, segunda parte, da mesma Lei, que determina a aplicação retroativa do artigo 3º, tal como prevê o art. 106, I, do CTN.
Em voto proferido perante a 1ª Seção, no julgamento dos ERESP 327.043⁄DF, sustentei que o citado art. 3º tem natureza modificativa (e não simplesmente interpretativa) e, conseqüentemente, não pode ter aplicação retroativa, sendo inconstitucional, portanto, a parte final do art. 4º. As razões de tal entendimento são as que seguem.

II - Lei interpretativa no sistema constitucional brasileiro
2. Em nosso sistema constitucional, as funções legislativa e jurisdicional estão atribuídas a Poderes distintos, autônomos e independentes entre si (CF, art; 2º). Legislar, função essencialmente conferida ao Parlamento, é criar os preceitos normativos, é impor modificação no plano do direito positivo. Já a função jurisdicional - de assegurar o cumprimento da norma, que pressupõe também a de interpretá-la previamente -, é atribuída ao Poder Judiciário. A atividade legislativa está submetida à cláusula constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), razão pela qual as modificações do ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente. A função jurisdicional, ao contrário, atua, em regra, sobre fatos já ocorridos ou em via de ocorrer. Só excepcionalmente pode o Legislativo atuar sobre o passado, assim como só excepcionalmente pode Judiciário produzir sentenças com efeitos normativos futuros.
Todos sabemos que essa bipartição não tem caráter absoluto, comportando algumas exceções. Mas a regra geral é essa: o Legislativo produz o enunciado normativo, que vai ter aplicação para o futuro; produzido o enunciado, ele assume vida própria, cabendo ao Judiciário, daí em diante, zelar pelo cumprimento da norma que dele decorre, o que comporta a função de, mediante interpretação, descobri-la e aplicá-la aos casos concretos. São atividades complementares. Como dizia Calamandrei, "O Estado defende com a jurisdição sua autoridade de legislador" (CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1986, vol. I, p. 175).

3. Interpretar um enunciado normativo é buscar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado. "A interpretação", escreveu Eros Grau, "é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. (...) Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição)" (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação⁄Aplicação do Direito, 2ª ed., SP, Malheiros, 2003, p. 78). E observa, mais adiante: "As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelos que operaram no interior do procedimento normativo, significado que a elas desejaram imprimir. Sucede que as disposições devem exprimir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a necessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às disposições (enunciados, textos), por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (significados que apenas são revelados através e mediante a interpretação, na medida em que as disposições são transformadas em normas)" (op. cit., p.79).
Prossegue o autor: "A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições, meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser - a interpretação - uma atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas. Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (...) que '(...) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação. De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (...)'. As normas, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. (...) As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando - através e mediante a interpretação - são transformados em normas). Por isso as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem - elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (...)" (op. cit., p. 80).

4. Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.

5. Nesse contexto, a edição, pelo legislador, de lei interpretativa, com efeitos retroativos, somente é concebível em caráter de absoluta excepcionalidade, sob pena de atentar contra os dois postulados constitucionais já referidos: o da autonomia e independência dos Poderes (art. 2º, da CF) e o do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Lei interpretativa retroativa só pode ser considerada legítima quando se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. "Interpretar uma norma", escreveu Juarez Freitas, "é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito" (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47). Ora, lei que simplesmente reproduz a já existente, ainda que com outras palavras, seria supérflua; e lei que não é assim, é lei que inova e, portanto, não pode ser considerada interpretativa e nem, conseqüentemente, ser aplicada com efeitos retroativos.

III - Natureza modificativa (e não simplesmente interpretativa) do art. 3º da LC 118⁄05

6. Ainda que se admita a possibilidade de edição de lei interpretativa, como prevê o art. 106, I, do CTN, mas considerando o que antes se disse sobre o processo interpretativo e seus agentes oficiais (= a norma é aquilo que o Judiciário diz que é), evidencia-se como hipótese paradigmática de lei inovadora (e não simplesmente interpretativa) aquela que, a pretexto de interpretar, confere à norma interpretada um conteúdo ou um sentido diferente daquele que lhe foi atribuído pelo Judiciário ou que limita o seu alcance ou lhe retira um dos seus sentidos possíveis.
É o que ocorre no caso em exame. Com efeito, sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação - expressa ou tácita - do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.
Essa jurisprudência certamente não tem a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes. Em muitos casos, eu mesmo já manifestei minha discordância pessoal em relação a ela, como, v;g., no voto vista proferido no ERESP 423.994, 1ª Seção, rel. Min. Peçanha Martins, onde apontei sua fragilidade por desconsiderar inteiramente "um princípio universal em matéria de prescrição: o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332)". "Realmente", sustentei, "ocorrendo o pagamento indevido, nasce desde logo o direito a haver a repetição do respectivo valor, e, se for o caso, a pretensão e a correspondente ação para a sua tutela jurisdicional. Direito, pretensão e ação são incondicionados, não estando subordinados a qualquer ato do Fisco ou a decurso de tempo. Mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o direito, a pretensão e a ação nascem tão pronto ocorra o fato objetivo do pagamento indevido. Sob este aspecto, pareceria mais adequado ao princípio da actio nata aplicar, inclusive em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o disposto art. 168, I, combinado com o art. 156, I, do CTN, ou seja: o prazo prescricional (ou decadencial) para a repetição do indébito conta-se da extinção do crédito (art. 168, I), que, por sua vez, ocorre com o pagamento (art. 156, I). Observe-se que, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o pagamento antecipado também extingue o crédito, ainda que sob condição resolutória (CTN, 150, § 1º)."
Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118⁄2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele atribuído pelo Judiciário. Ainda que defensável a 'interpretação' dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que atribui a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.

IV - Inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118⁄05

7. Não se nega ao Legislativo o poder de alterar a norma (e, portanto, se for o caso, também a interpretação formada em relação a ela). Pode, sim, fazê-lo, mas não com efeitos retroativos. Admitir a aplicação do art. 3º da LC 118⁄2005, sobre os fatos passados, nomeadamente os que são objeto de demandas em juízo, seria consagrar verdadeira invasão, pelo Legislativo, da função jurisdicional, comprometendo a autonomia e a independência do Poder Judiciário. Significaria, ademais, consagrar ofensa à cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Portanto, o referido dispositivo, por ser inovador no plano das normas, somente pode ser aplicado legitimamente a situações que venham a ocorrer a partir da vigência da Lei Complementar 118⁄2005, que ocorreu 120 dias após a sua publicação (art. 4º), ou seja, no dia 09 de junho de 2005.
Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal, afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido:
"Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo" (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).
"Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência" (AR 905⁄DF, Min. Moreira Alves, DJ de 28.04.78).
No mesmo sentido: RE 93.110⁄RJ, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6⁄PR, Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 13.03.81.
É o que se colhe, também, de abalizada doutrina, como, v.g., a de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1998, Tomo VI, p. 359), Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1976, volume V, p. 205-207) e Galeno Lacerda, este com a seguinte e didática lição sobre situação análoga (redução do prazo da ação rescisória, operada pelo CPC de 1973):
"A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade" (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101).
Câmara Leal tem pensamento semelhante:
"Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo" (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90).

Assim, na hipótese em exame, com o advento da LC 118⁄05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.

8. Ocorre que o art. 4º da Lei Complementar 118⁄2005, em sua segunda parte, determina, de modo expresso, que, relativamente ao seu art. 3º, seja observado "o disposto no art. 106, I, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", vale dizer, que seja aplicada inclusive aos atos ou fatos pretéritos. Ora, conforme antes demonstrado, a aplicação retroativa do dispositivo importa, nesse caso, ofensa à Constituição, nomeadamente ao seu art. 2º (que consagra a autonomia e independência do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo) e ao inciso XXXVI do art. 5º, que resguarda, da aplicação da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
9. Ante o exposto, acolho o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional", constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118⁄2005. É o voto.











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VOTO


O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presidente, conheço do incidente, porque eventual declaração de inconstitucionalidade não irá prejudicar o recorrido. É por tal circunstância, somente por ela, que estou acolhendo a argüição de inconstitucionalidade. Indo para frente, o meu voto acompanha o do Relator.
Foi-me muito feliz a lembrança de S. Exa. no sentido de que as leis são o que aqui falamos que são, somos nós que lhes damos espírito. Aliás, isso é muito antigo: a letra mata, o espírito é que a vivifica. De fato, das três interpretações, a interpretação que chama a atenção é a judicial, obviamente.
Estou, pois, acolhendo a argüição.



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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Foi referido pelo E. Relator voto que proferi na Eg. 1ª Seção, defendendo a tese de que o dies a quo do prazo para a propositura da ação redibitória do contribuinte de crédito tributário seria a data do lançamento ou a da sua homologação.
Recordo-me que foi o Ministro Pádua Ribeiro quem primeiro defendeu tal tese, em caso concreto.
A leitura e interpretação sistemática do CTN convenceu-me do acerto da proposição.
É que somente o Estado pode instituir tributo mediante lei e cobrar a prestação pecuniária compulsória em moeda "mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 1º, XV, da CF; arts. 8º, 9º e 97 da Lei nº 5.172⁄25.10.1956)".
Surgindo a obrigação principal com a ocorrência de fato gerador (art. 113, § 1º, do CTN), que é "a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência" (art. 114 do CTN) temos que o crédito tributário decorre da obrigação principal (art. 139, CTN) e é da competência exclusiva da autoridade administrativa constituí-lo pelo lançamento, ou seja, pelo "procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível"(art. 142, CTN).
O lançamento, porém, comporta modalidades, como se observa no art. 147 e seguintes do CTN.
Importa-nos, no caso, o tipo de lançamento definido na lei reguladora do ICMS, qual seja, o procedimento administrativo complexo do tipo por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo (contribuinte) o dever de antecipar o pagamento sem o prévio exame da autoridade administrativa, e que se opera "pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa" (art. 150), ou a faz pela inércia (art. 150, § 4º, do CTN).
Dúvidas não restam quanto à complexidade do ato administrativo do lançamento, cujo prazo para concretizar-se, na hipótese, não sendo expresso, presume-se expirado em cinco (5) anos (art. 150, § 4º, CTN).
Ocorre, porém, que, no art. 150, § 1º, o legislador estabeleceu que "o pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória de ulterior homologação do lançamento".
Indaga-se: será possível extinguir-se o crédito tributário ainda não constituído? De notar-se que, no art. 151, disciplina o CTN as hipóteses de suspensão do crédito tributário, e no art. 156 elenca as hipóteses de extinção, declarando expressamente no inciso VII: "o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no art. 150 e seus §§ 1º e 4º".
Entendemos, então, que, na dicção do art. 156, VII, impunha-se a conjugação das duas circunstâncias - pagamento antecipado e lançamento por homologação - para concluir que só começaria a contar o prazo prescricional para haver o contribuinte a restituição do tributo indevidamente recolhido por antecipação a partir do lançamento, ato administrativo imprescindível à constituição do crédito tributário, e que pode ser tido por concretizado decorrido o lapso temporal de cinco (5) anos, contado a partir do pagamento antecipado. (art. 150, § 4º, CTN).
O Estado terá cinco (5) anos para constituir o crédito e mais cinco (5) anos para cobrá-lo. E o direito à restituição do indébito pelo contribuinte poderá extinguir-se antes da constituição do crédito tributário, ato administrativo vinculado? Extinguir-se-á, pela prescrição, o direito à restituição enquanto não promovido o lançamento, pendente sobre a sua cabeça a espada de "Dâmocles" ou seja, a possível instauração do procedimento executório fiscal com as drásticas conseqüências que acarreta? Enfim, prescreverá o direito de ação para haver a restituição do pagamento antecipado antes da constituição do crédito tributário pelo lançamento tácito? Creio que não, pois não há confundir pagamento antecipado com crédito tributário, somente constituível mediante atividade administrativa plenamente vinculada, ou seja, pelo lançamento. Penso que a regra do art. 150, § 1º, há de ser interpretada na consonância com as normas dos arts. 156, VII, 165 e 166 do mesmo CTN, até porque só nascerá o crédito com o ato administrativo ou após decurso, in albis , do prazo deferido ao Estado para homologar o lançamento.
A Lei Complementar nº 118, 09⁄02⁄05, no seu art. 3º, dispõe, "para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172", que "a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida lei e, no art. 4º, estabelecendo a data da entrada em vigor (120 dias da publicação), enfatizando: "observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional".
A meu ver, a Lei Complementar, dita interpretativa, não deu a melhor interpretação à matéria. Reflete comando autoritário do Executivo sem resolver as dúvidas preexistentes com relação as regras contidas no CTN. A final, a Constituição do crédito tributário continua competindo à autoridade administrativa pelo lançamento, atividade administrativa vinculada e obrigatória, nos termos do art. 142 e parágrafo único do CTN, e só se constitui pelo lançamento expresso ou tácito, ou seja, é dependente de ato ou omissão da autoridade administrativa.
Por tais razões, entendi que nada de novo foi incorporado ao CTN que pudesse modificar a interpretação sistemática consagrada pela 1ª e 2ª Turmas e Eg. 1ª Seção em torno da contagem do prazo prescricional para o contribuinte haver a restituição do indébito tributário, mas fui vencido na 1ª Seção, como consta do voto referido pelo E. Relator.
Mas a Lei Complementar diz da interpretação conveniente ao Executivo e a impõe, aplicando-a retroativamente.
Explicada a interpretação que fazia sobre a matéria até a uniformização da jurisprudência pela Eg. 1ª Seção, com ressalva da minha opinião, acompanho o voto do E. Relator.



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VOTO

EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sr. Presidente, o belíssimo voto do Ministro Relator relembrou-nos verdades que estão começando a esmaecer-se dentro do nosso Estado de Direito, como a de que a lei é aquilo que o Judiciário diz. A eficácia de lei é retirada da interpretação.
Não tenho dúvida em subscrever integralmente o voto do eminente Relator. Dou-lhe parabéns por isso.
Acolho o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão "observado quanto ao Art. 3º o disposto no Art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, do Código Tributário Nacional, constante do Art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118".



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VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro Relator.
Acolho o incidente para reconhecer a inconstitucionalidade da expressão "observado quanto ao art. 3º o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, do Código Tributário Nacional, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118".


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VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, a tese defendida aqui pelo Sr. Ministro Teori Albino Zavascki foi seguida na Seção, à unanimidade, a qual aderi com o meu voto. A única diferença é que, na Seção, não apreciamos a argüição de inconstitucionalidade. Essa tese agora se reforça com a declaração de argüição de inconstitucionalidade.

Conheço da argüição, tendo em vista que está seguindo a jurisprudência da Corte Especial, em que a argüição só é cabível em recurso especial se favorecer a parte recorrida e, quanto ao mérito, estou de acordo com o Sr. Ministro Relator pelos seus bem lançados fundamentos, com os quais concordo plenamente.


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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
Senhor Presidente, eu também gostaria de fazer um registro especial pelo admirável voto que foi produzido pelo eminente Professor e nosso Colega, Ministro Teori Albino Zavascki.
A meu sentir, como Sua Excelência dispôs com tanto brilho, o cerne da questão é deslindar se o art. 3º configura ou não uma regra de interpretação. E, todos sabemos, é comum que as leis interpretativas tenham sempre um caráter de excepcionalidade no próprio direito brasileiro, para não falar no direito estrangeiro. E no caso do Direito Tributário, essa lei dita interpretativa abriria uma exceção na disciplina constitucional sobre a retroatividade, isso sem avançar no precioso voto proferido pelo Senhor Ministro Moreira Alves, quando cuidou das várias intensidades da retroatividade.
No caso concreto, a leitura do art. 3º não deixa a menor dúvida de que de lei interpretativa não se trata, porque, independente da confusão posta no que concerne à invasão do poder de interpretação do Judiciário, o que existe, de fato, é uma alteração no sistema de cômputo do prazo de prescrição, ou seja, objetivamente o art. 3º não configura uma interpretação diversa, e sim determina uma modalidade nova de contagem do prazo de prescrição. Se não é lei interpretativa, é claro que não se pode aplicar o art. 106, I, do Código Tributário Nacional, e daí se impõe o acolhimento da argüição de inconstitucionalidade.
Por outro lado, no tocante à contagem do prazo prescricional, diante da observação feita pelo Senhor Ministro Ari Pargendler, tenho a sensação de que deveremos, no futuro, considerar também o que dispõe o art. 2.028 do Código Civil, que traz uma regra expressa sobre o cálculo dos prazos prescricionais; e essa interpretação já está sendo dada pelas Turmas de Direito Privado e, em algum momento, será indispensável que a Corte Especial uniformize essa jurisprudência, mesmo porque a disciplina do art. 2.028 do Código Civil enseja uma interpretação que pode alcançar resultado diverso daquela interpretação clássica que foi dada pelo Supremo Tribunal Federal, agora repetida pelo Senhor Ministro Teori Albino Zavascki.
Portanto, faço apenas a ressalva quanto ao exame futuro da aplicação do prazo de prescrição, considerando a interpretação que venha a ser dada ao art. 2.028.
Com essas observações, louvando mais uma vez o excelente voto do Senhor Ministro Teori Albino Zavascki, que a mim, particularmente, envaidece por ser seu Colega, também acompanho Sua Excelência, recebendo a argüição e declarando a inconstitucionalidade da expressão indicada no voto de Sua Excelência.




CERTIDÃO DE JULGAMENTO
CORTE ESPECIAL
AI nos
Número Registro: 2005⁄0055112-1
EREsp 644736 ⁄ PE

Números Origem: 200083000111030 200400270793 78420

PAUTA: 06⁄06⁄2007
JULGADO: 06⁄06⁄2007


Relator
Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro BARROS MONTEIRO

Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ÁUREA MARIA ETELVINA N. LUSTOSA PIERRE

Secretária
Bela. Vânia Maria Soares Rocha


ASSUNTO: Tributário - Contribuição - Social - PIS

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

EMBARGANTE
:
FAZENDA NACIONAL
PROCURADOR
:
IANA NARA SÁ MACIEL CAVALCANTE E OUTRO(S)
EMBARGADO
:
CAXANGÁ VEÍCULOS LTDA
ADVOGADO
:
GLÁUCIO MANOEL DE LIMA BARBOSA E OUTRO(S)

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentou oralmente, pela Fazenda Nacional, o Dr. Cláudio Xavier Seefelder Filho.

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, acolheu a argüição de inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118⁄2005, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Nilson Naves, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Francisco Falcão, Castro Filho, Laurita Vaz e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Luiz Fux e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Gilson Dipp.
A Sra. Ministra Nancy Andrighi foi substituída pelo Sr. Ministro Castro Filho.



Brasília, 06 de junho de 2007



Vânia Maria Soares Rocha
Secretária
Documento: 696531
Inteiro Teor do Acórdão
- DJ: 27/08/2007

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