quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ACÚMULO E DESVIO FUNCIONAL

HÁ AMPARO LEGAL PARA DEFERIR A INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE AO PREJUÍZO?
José Affonso Dallegrave Neto(*)
Mestre e Doutor em Direito pela UFPR e membro da ANDT

“Enriquecimento sem causa corresponde ao acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha havido um fundamento jurídico”.
Limongi França(1)
1. Inexecução contratual
Na chamada quadra da inexecução contratual um caso amiúde se sobressai, qual seja a exigência ilícita para que o empregado acumule ou exerça função diversa da qual foi contratada. O dano material daí resultante deve ser reparado com a condenação da indenização equivalente?
Há corrente minoritária e, ao nosso crivo, equivocada, que entende inexistir amparo legal para o pleito de indenização por acúmulo de função, vez que somente ao radialista (L. 6615/78) o legislador conferiu expressa previsão para o pagamento do adicional de dupla função:
“A figura do acúmulo de funções encontra previsão legal tão-somente no que se refere ao radialista (Lei nº 6.615/78), sendo certo que, ainda que o autor exercesse a função de padeiro e confeiteiro, no mesmo horário de trabalho, não daria ensejo ao deferimento de outro salário, ou mesmo de qualquer acréscimo salarial” (TRT 3ª R. - RO 00354-2003-026- 03-00-1 - 5ª Turma, DJMG 04.10.2003 - p. 21).
Data venia, essa visão é estreita e equivocada, pois despreza todos os demais dispositivos da ordem jurídica que direta e indiretamente albergam o pleito de indenização por desvio e/ou dupla função. Senão vejamos.
Por força do art. 8º pg. único da CLT, o direito comum se aplica subsidiariamente ao Direito do Trabalho, desde que a lei trabalhista seja omissa e a norma civil invocada seja compatível com os princípios do direito do trabalho. É, pois, o caso dos regramentos previstos no Código Civil e que amparam o pleito de indenização por desvio ou dupla função.
2. Locupletamento
O primeiro deles é o dispositivo que assegura a restituição do prejuízo em caso de enriquecimento ilícito:
Art. 884: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.
Ora, não há como negar a caracterização de locupletamento nos casos em que a empresa impõe ao empregado contratado para determinada função o cumprimento cumulativo ou de outras atividades de maior complexidade sem a justa compensação salarial.
DIFERENÇAS SALARIAIS. DESVIO/ACÚMULO DE FUNÇÕES. PROIBIÇÃO. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
Sempre houve remédio jurídico contra o desvio/acúmulo de função: o princípio que veda o enriquecimento sem causa, reconhecido e existente entre nós, desde o alvorecer do nosso direito; todavia, ainda que se entendesse que, antes da entrada em vigor do vigente Código Civil, não havia o que, no ordenamento jurídico pátrio, pudesse ser invocado para remediar semelhante situação, hodiernamente, o artigo 884, do aludido Diploma Legal, dá remédio eficaz para resolver o problema. Um empregado celebra um contrato de trabalho, por meio do qual se obriga a executar determinado serviço, aí toleradas pequenas variações, vedadas, por óbvio, as que alterem qualitativamente e/ou se desviem, de modo sensível, dos serviços a cuja execução se obrigou o trabalhador; em situações quejandas, caracterizado resta o enriquecimento sem causa, vedado pelo direito (TRT 15ª Reg., RO 02027-2003-042- 15-15-00- 8 - Ac. 3030/2006 - PATR, 4ª Turma - Rel. Juiz Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani. DJSP 3.2.06, p. 47).
Consigne-se que mesmo antes do Código Civil de 2002 já era possível postular a indenização sob o fundamento de locupletamento:
Locupletamento. Exercício de dupla função ou de função de maior valia. “Demonstrado o exercício pelo operário de função de maior valia, o reconhecimento judicial do direito patrimonial correlato apenas reporá o caráter sinalagmático da relação havida, afastando a indesejável figura do locupletamento ilícito. (...)” (TRT, 10ª Região, RO 2798/99, 3a. Turma, Rel. Juiz Douglas Alencar Rodrigues. DJU: 18/10/2000).
3. Da ilicitude da ordem patronal
Da mesma forma também se constitui ato ilícito a ordem patronal que exige o cumprimento de serviços alheios ao contrato, incluindo-se aqui os casos de desvio ou acúmulo de função. Nesse sentido é a regra do art. 483, “a”, da CLT.
Art. 483: O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: “a”: forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
Destarte, é inegável que o desvio funcional e a dupla função são tidos como ilícitos, na medida em que são caracterizados pela determinação unilateral do empregador e ao mesmo tempo são prejudiciais ao obreiro, o qual terá que assumir responsabilidades e encargos superiores aos limites do contratado. Ao assim proceder o empregador estará exorbitando seu poder de comando (jus variandi) em flagrante abuso de direito de que trata o art. 187 do Código Civil.
Tais hipóteses caracterizam até mesmo ofensa ao art. 468 da CLT, vez que entre a função ajustada na celebração do contrato e o que lhe foi imposto posteriormente haverá sensível margem prejudicial ao trabalhador, mormente quando desacompanhada da respectiva compensação salarial.
DIFERENÇAS SALARIAIS - DESVIO DE FUNÇÃO - Exercendo, o autor, atividades de maior responsabilidade do que aquelas previstas para o cargo ao qual estava vinculado, faz jus ao pagamento de diferenças salariais decorrentes de desvio funcional, com reflexos, bem como a anotação em sua CTPS da função de Operador de Produção I. Recurso provido (TRT 4ª R. - RO 01206-2002-022- 04-00-2 - 6ª T. - Rel. Juiz Denis Marcelo de Lima Molarinho - J. 05.11.2003).
Com efeito, caracterizado que o dano material do empregado teve por nexo causal um ato ilícito da Reclamada, a responsabilidade civil do agente se impõe nos termos do art. 927 do Código Civil:
Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187)2, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Observa-se, nessa hipótese, a presença dos três elementos da responsabilidade civil: o dano material (exercício de função mais qualificada sem compensação salarial), o ato ilícito (abuso do jus variandi) e o nexo causal (dano decorrente do ato ilícito patronal).
4. Desempenho de atividades afins ou correlatas
Observa-se que a caracterização do desvio ou da dupla função se dá pelo desempenho de atividades que não se relacionam com a função contratada. Na prática, tal questão não é tão simples, vez que em muitos casos o cargo contratado encerra desempenho de uma atividade principal e outra gama de atividades acessórias que lhe são correlatas e encontram-se imbricadas.
Assim, por exemplo, uma secretária pode também recepcionar clientes ou atender telefonemas sem que isso configure desvio ou dupla função. Contudo, se essa empregada, a qual foi contratada como “secretária” tem como função primordial atender telefones de forma permanente e intensa, por óbvio que se estará diante de um desvio funcional, devendo receber o salário e os benefícios atinentes à função de telefonista.
O mesmo se diga do empregado contratado estritamente para desempenhar a função de “vendedor comissionista” e que se vê surpreendido com atribuições práticas e cumulativas próprias do cargo de “cobrador de créditos”. Ora, aqui haverá um nítido prejuízo que deve ser reparado, vez que o permanente serviço de cobrança, além de caracterizar desvio funcional, obstará o recebimento de maior comissão em face da subtração de seu tempo destinado às vendas propriamente ditas.
Nesses casos o julgador deverá aplicar, até mesmo, a regra de fraus legis prevista no art. 9o. da CLT.
No atual paradigma de trabalho flexível é comum o empregador exigir uma multifuncionalidade de seus empregados3. A partir desse cenário exsurge a dúvida: Até que ponto é lícita a imposição patronal de trabalhos múltiplos?
A rigor, o empregado deve exercer somente a função pela qual foi contratada e remunerada. Contudo, é comum verificar casos em que o trabalhador, a fim de cumprir a função contratada, tenha que realizar outras “atividades afins” ou “funcionalmente ligadas”.
Sobre o tema é oportuno transcrever o regramento do recente Código do Trabalho de Portugal (Lei nº 99/2003):
Art. 151-1: O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado.
Art. 151-2: A actividade contratada, ainda que descrita por remissão para categoria profissional constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou regulamento interno da empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
Art. 152 - A determinação pelo empregador do exercício, ainda que acessório, das funções a que se refere o nº 2 do artigo anterior, a que corresponda uma retribuição mais elevada, confere ao trabalhador o direito a esta enquanto tal exercício se mantiver.
Como se vê, o código português, em seu art. 151-1, admite o exercício de “funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas”. Contudo, em seu art. 152, assegura o direito à correspondente retribuição mais elevada. Trata-se de oportuna contribuição do direito comparado português em relação à integração de lacuna da legislação trabalhista pátria (art. 8º, CLT).
O direito pátrio contém um único dispositivo e ainda assim de natureza controvertida quanto ao seu alcance. Trata-se do art. 456, parágrafo único, da CLT:
Art. 456: A prova do contrato individual de trabalho será feita pelas anotações constantes da carteira de trabalho e previdência social ou instrumentos escrito e suprido por todos os meios permitidos e direito.
Parágrafo único. À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal.
Diante dessa moldura legal temos duas situações.
A primeira relativa ao caso em que o próprio contrato de trabalho contém cláusula expressa com a descrição da função e atividades afins a serem exercidas pelo empregado. Nesta hipótese a solução é simples, impondo-se o direito à indenização equivalente ao desvio ou dupla função caso o trabalhador venha a extrapolar o expressamente pactuado (pacta sunt servanda)4.
A segunda situação refere-se justamente aos casos controvertidos em que não há qualquer descrição das atividades relativas à função contratada, máxime quando o nomem juris do cargo é vago e impreciso. Aqui, diante do caso concreto que pleiteia indenização por desvio ou dupla função, o julgador deverá analisar se as atividades eram todas elas “afins ou funcionalmente ligadas”5 ou se havia “execução de serviço atípico” em relação à função contratada.
O aludido parágrafo único do art. 456 da CLT nem de longe pode ser interpretado para legitimar o locupletamento ou exploração aviltante do trabalhador, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), dos valores sociais do trabalho (art. 1º, IV) e da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano (art. 170). Não se perca de vista que a melhor exegese é aquela que sistematiza o dispositivo legal à luz dos princípios proeminentes da Constituição Federal:
ACÚMULO DE FUNÇÕES - ART. 456 DA CLT - Com a CF/88, os valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana foram erigidos a fundamentos de nossa República, bem como passaram a orientar toda a ordem econômica e financeira (arts. 1º, III e IV, e 170), com o que a interpretação do art. 456 da CLT deve ser feita tendo sempre por base os cânones de nossa Carta Magna, sob pena de se infringir a sua supremacia. O ajuste firmado entre empregado e empregador não deve prevalecer ante a realidade, devendo aquele ser remunerado por se ativar em atividade atípica em relação à função para a qual foi contratado (transbordo de mercadorias) em relação ao cargo de motorista entregador. Deve ainda ser ressaltada a condição de subordinação econômica a que recorrentemente o empregado está sujeito durante o contrato, afinal, o salário lhe assegura a subsistência. Incidência dos princípios da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e da prevalência da realidade sobre a forma (TRT 16ª R. - Proc. 03262-2005-016- 16-00-7 - (00000-2006) - Rel. Juiz José Evandro de Souza - J. 14.09.2006).
Assim, cada vez que o empregado exercer atividades que não guardam qualquer afinidade ou correlação com a função contratada, estar-se-á diante de ilícito desvio funcional. Se tais atividades estranhas à função contratada com esta se acumulam, o obreiro fará jus a uma indenização a título de dupla função.
Atenta a essa tendência jurisprudencial de acolher pedidos de indenização por desvio ou acúmulo de funções, registre-se a existência de idôneas empresas que, sponte própria, prevêem e pagam o respectivo adicional de dupla função:
COPEL - DUPLA FUNÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - A verba percebida sob o título “dupla função” tinha por fim remunerar o empregado que além de suas funções normais necessitava dirigir veículo da empresa para a realização de seu trabalho. Desta forma, não há como não se atribuir a característica de salário à parcela em epígrafe, pois nítida contraprestaçã o a serviço prestado pelo empregado. Devidas, pois, a integração da verba, habitualmente percebida, à base de cálculo das horas extras deferidas ao autor (TRT 9ª R. - Proc. 00302-2002-069- 09-00-0 - (7-2004) - Rel. Juiz Sergio Murilo Rodrigues Lemos - J. 23.01.2004).
5. Da indenização por acúmulo e desvio funcional
O caráter sinalagmático e comutativo do contrato de trabalho impõe ao empregador a justa e equivalente remuneração do serviço prestado. Assim, eventual demanda da empresa para execução de outras tarefas não previstas na avença contratual constituirá risco da atividade econômica, o qual deverá ser suportado pelo empregador:
“O caráter sinalagmático do contrato de trabalho e a norma jurídica dos arts. 2º e 3º da CLT impõe a retribuição pecuniária por parte do empregador pelos serviços prestados pelo trabalhador cumulativamente e diverso ao objeto da avença inicial” (TRT 9ª Região, Acórdão 15203/99, 3ª Turma, Rel. Rosalie Michaele Bacila Batista).
Ademais, uma vez sendo o empregado contratado para o exercício de determinada função, não poderá ser submetido ao exercício de outra mais complexa ou sobreposta, sob pena de ferir a confiança negocial esperada pelos contratantes. Nesse sentido são emblemáticos os princípios da função social e da boa-fé objetiva que informam o direito contratual, conforme prevêem, respectivamente, os arts. 421 e 422 do Código Civil, aplicáveis ao contrato de trabalho.
Assim, em relação à prática de dupla função, o trabalhador deverá receber uma indenização equivalente ao prejuízo. Na falta de elementos precisos, o valor deverá ser arbitrado pelo juízo nos termos do art. 475-C, II, do CPC:
Art. 475-C: Far-se-á a liquidação por arbitramento quando:
I - determinado pela sentença ou convencionado pelas partes;
II - o exigir a natureza do objeto da liquidação.
É possível também aplicar analogicamente o art. 13 da Lei 6615/1978, o qual prevê um adicional de dupla função que varia de 10% a 40% para o profissional radialista. Não se olvide que a analogia é fonte de integração do direito do trabalho nos casos de lacuna da legislação específica6.
Quanto ao cabimento da indenização alusiva ao desvio funcional, o TST, através da OJSDI-1 nº 1257, pacificou o tema, declarando o direito ao pagamento das respectivas diferenças salariais. Caso não haja quadro de carreira ou tabela salarial aplicável ao caso concreto, o juízo deverá arbitrar um valor justo e razoável a título de indenização, nos termos do aludido art. 475-C, II, do CPC, combinado com o art. 460 da CLT que assim dispõe:
Art. 460, CLT: “Na falta de estipulação do salário ou não havendo prova sobre a importância ajustada, o empregado terá direito a perceber salário igual ao daquele que, na mesma empresa, fizer serviço equivalente, ou do que for habitualmente pago para serviço semelhante”.
Nesse sentido vem se posicionando a jurisprudência, a qual acolhe as diferenças salariais levando em conta o valor remuneratório de colegas que desempenham função equivalente.
“Comprovado o exercício de funções pertinentes a cargo melhor remunerado e diverso daquele no qual formalmente enquadrado, faz jus o trabalhador às diferenças salariais por desvio de função, com fundamento no princípio isonômico, segundo o qual devem ser contraprestadas de forma igualitária aos empregados que desempenham funções idênticas, nos termos do art. 460 da CLT” (TRT 4ª R. - RO 00325-2002-561- 04-00-1 - 6ª T. - Rel. Beatriz Zoratto Sanvicente - J. 05.11.2003).
O que não se admite é que a eventual ausência de Plano de Cargos e Salário sirva de óbice ao reconhecimento do desvio de função, pois assim haveria flagrante enriquecimento ilícito do empregador que se utilizou de trabalho com maior carga de responsabilidade técnica, sem a correspondente contraprestaçã o salarial, conforme já se posicionou o TST:
“A ausência de quadro organizado em carreira não se revela como óbice ao reconhecimento do desvio de função, pois se impõe ressaltar que tal aspecto não possui o condão de afastar do autor o direito à percepção das diferenças salariais, sendo que o pedido formulado não condiz com equiparação salarial, sendo inaplicável à espécie a regra estabelecida no art. 461 e seus parágrafos da CLT. Ademais, no Direito do Trabalho, importa o que ocorre na prática, mais do que as partes hajam pactuado de forma expressa. Trata-se da aplicação do princípio da primazia da realidade. Assim, comprovado o desvio funcional perpetrado contra o empregado, há de se deferir as diferenças salariais decorrentes, sob pena, inclusive, de se conferir enriquecimento sem causa à reclamada, auferido por meio do trabalho desempenhado pelo reclamante, a exigir maior carga de responsabilidade e técnica, sem a paga correspondente” (TST, RR-644560/2000. 4, 1ª Turma, Min. Vieira de Mello Filho, DJ 10.08.2007).
Registre-se o entendimento do excelso Tribunal do Trabalho acerca da prescrição parcial do pedido de diferenças salariais decorrentes de desvio funcional previsto na Súmula 275, I, in verbis:
Enunciado nº 275 do TST:
I - Na ação que objetive corrigir desvio funcional, a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período de 5 (cinco) anos que precedeu o ajuizamento8.
Em relação ao desvio funcional temporário de empregado convocado a ocupar cargo mais elevado, o TST entende ser devido o pleito de diferenças em face do salário-substituiçã o, nos termos do seguinte verbete:
Súmula 159, I: “Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído”. II: “Vago o cargo em definitivo, o empregado que passa a ocupá-lo não tem direito a salário igual ao do antecessor”.
Diante de tantos argumentos jurídicos que dão guarida ao pleito de indenização por desvio ou acúmulo de função, o julgador não pode deixar de restaurar a equidade do caso concreto sob o frágil argumento de que “não há amparo legal para o pedido”. Ora, conforme visto, o fundamento jurídico decorre de uma adequada interpretação sistematizada dos artigos 422, 884 e 927 do Código Civil, bem como dos artigos. 8o, 456, 460 e 468 da CLT.
Findou o tempo em que o magistrado acolhia somente os pedidos fundamentados sob rigorosa interpretação literal da lei. Isso ocorreu na era do Positivismo Científico do século XVIII e XIX, onde, em nome da “segurança jurídica”, sequer se admitia a existência de lacunas dentro do direito positivo. Vive-se hoje uma nova ordem jurídica em que os princípios e valores estampados na Constituição Federal e nas legislações esparsas vinculam o operador jurídico e integram as omissões setoriais da lei. Um tempo em que a exegese sistêmica prefere a gramatical, máxime para prestigiar a justa reparação ao empregado a exemplo do que sucede nos trabalhos em desvio ou acúmulo funcional.
José Affonso Dallegrave Neto é Mestre e Doutor em Direito pela UFPR; membro da ANDT da JUTRA - Associação Luso-brasileira dos Juristas do Trabalho; Professor da EMATRA - IX e do Curso de Pós-graduação da PUC e da UNICURITIBA.
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Notas de Rodapé
* Mestre e Doutor em Direito pela UFPR; membro da ANDT - Academia Nacional de Direito do Trabalho e da JUTRA - Associação Luso-brasileira dos Juristas do Trabalho; Professor da EMATRA - IX e do Curso de Pós-graduação da PUC e da UNICURITIBA.
1 Enriquecimento sem causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987.
2 Art. 186 do CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187 do CC: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
3 Nessa direção registre-se o art. 19, II, da Lei do portuário, n 8630/93: “Compete ao órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário avulso: II - promover a formação profissional e o treinamento multifuncional do trabalhador portuário, bem assim programas de realocação e de incentivo ao cancelamento do registro e de antecipação de aposentadoria.
4 A manifesta desproporção salarial contraída sobre premente necessidade poderá configurar vício volitivo por lesão prevista no Código Civil: “Art. 157: Ocorre lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”.
5 Nesse sentido é a ementa: “ACÚMULO DE FUNÇÃO - MOTORISTA VENDEDOR - O motorista contratado para entregar encomendas e realizar vendas avulsas, deve realizar todas as tarefas inerentes às vendas, como emissão de nota fiscal, sem contudo, configurar acúmulo de função, por se tratar, as vendas, de um conjunto de afazeres e não apenas a entrega do produto. Notadamente quando se trata de motorista que faz vendas de modo itinerante, em vias públicas” (TRT 6ª R. - RO 01284-2003-003- 06-00-9 - 3ª T. - Redª Juíza Virgínia Malta Canavarro - DOEPE 06.10.2004).
6 Observa-se ser comum o uso da analogia de uma regra profissional específica para outra, a exemplo da jornada de sobreaviso e prontidão própria dos ferroviários, art. 244, § 1º e 2º, da CLT, e extensiva a outros profissionais.
7 OJ SDI-1 nº 125: “O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988".
8 Em igual sentido é a ementa: “DESVIO DE FUNÇÃO - DIFERENÇAS SALARIAIS - Reconhecendo o desvio de função e deferindo as diferenças salariais decorrentes, a decisão recorrida não contrariou Súmula uniforme do TST nem violou diretamente a Constituição da República. Ao contrário, está devidamente arrimada no Enunciado 275 e na OJ nº 125 da SBDI-1" (TST - AIRR 1146/2002-231- 04-40.0 - 3ª T. - Rel. Juiz Conv. José Ronald C. Soares - DJU 22.03.2005).
“Trabalho em Revista”, encarte de DOUTRINA “O TRABALHO” – Fascículo n.º 143, janeiro/2009, p. 4803

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