quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

ASSÉDIO MORAL NO DIREITO COMPARADO

  Sônia Mascaro Nascimento
Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela USP
1. Introdução
O constrangimento nas relações de trabalho, ou seja, o dano moral decorrente do assédio nas relações de trabalho tornou-se um sério problema enfrentado atualmente pelas empresas, trabalhadores e sindicatos.
Historicamente, as relações de trabalho tiveram, ao longo do tempo, diferentes enfoques de proteção. Primeiramente, o que se visava preservar era a própria vida do trabalhador frente às máquinas extremamente agressivas e o meio ambiente físico que a ceifavam1. Com o início da 1ª Guerra Mundial, a reivindicação passou a ser a proteção voltada para a manutenção da qualidade de vida no trabalho2. Finalmente, em 1968, a luta que mobilizou a ação sindical voltou-se para medidas preventivas da higidez mental do trabalhador3.
2. Conceito de assédio
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa. Dentre suas espécies, verificamos existir pelo menos dois tipos de assédio que se distinguem pela natureza: o assédio sexual e o assédio moral.
O assédio sexual se caracteriza pela conduta de natureza sexual, a qual deve ser repetitiva, sempre repelida pela vítima e que tenha por fim constranger a pessoa em sua intimidade e privacidade.
Já o assédio moral (mobbing, bullying, harcèlement moral, manipulação perversa ou terrorismo psicológico) caracteriza- se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
Assim, duas ressalvas já devem ser feitas: o assédio moral possui natureza psicológica, enquanto o outro possui natureza sexual; o assédio será aqui estudado apenas no âmbito das relações de trabalho, restringindo- se seu espectro quanto ao local dos fatos (no ambiente laboral), seu momento (durante a jornada de trabalho) e sua subjetividade (no exercício de suas funções).
3. O assédio moral
3.1. Caracterização subjetiva
Primeiramente, enfatiza-se que o assédio moral é caracterizado por uma conduta abusiva, seja do empregador que se utiliza de sua superioridade hierárquica para constranger seus subalternos, ou, seja dos empregados entre si com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode se dar, aliás, muito comumente, por motivos de competição ou de discriminação pura e simples.
O primeiro fenômeno é denominado assédio vertical, bossing ou mesmo mobbing descendente, como prefere denominar o Dr. Heinz Leymann4, psicólogo e cientista médico alemão que, na década de 80, começou a estudar o fenômeno do assédio moral a partir de experiências verificadas por outros estudiosos em grupos de crianças em idade escolar que tinham comportamentos hostis, cujas manifestações começaram a ser percebidas, vinte anos depois, no ambiente de trabalho.
Assim, o que se verifica no assédio vertical é a utilização do poder de chefia para fins de verdadeiro abuso de direito do poder diretivo e disciplinar, bem como para esquivar-se de conseqüências trabalhistas. Tal é o exemplo do empregador que, para não ter que arcar com as despesas de uma dispensa imotivada de um funcionário, tenta convencê-lo a demitir-se ou cria situações constrangedoras, como retirar sua autonomia no departamento, transferir todas suas atividades a outras pessoas, isolá-lo do ambiente, para que o empregado sinta-se de algum modo culpado pela situação, pedindo sua demissão.
Além dessa espécie de assédio, há o fenômeno denominado como assédio horizontal que é percebido entre os próprios colegas de trabalho que, motivados pela inveja do trabalho muito apreciado do outro colega, o qual pode vir a receber uma promoção, ou ainda pela mera discriminação motivada por fatores raciais, políticos, religiosos, etc, submetem o sujeito “incômodo” a situações de humilhação através de comentários ofensivos, boatos sobre sua vida pessoal, acusações que podem denegrir sua imagem perante a empresa, sabotando seus planos de trabalho.
Ainda são enumerados como espécie de assédio moral o mobbing combinado e o mobbing ascendente, conforme classificação do Dr. Leymann. Aquele se daria com a união, tanto do chefe, quanto dos colegas no objetivo de excluir um funcionário, enquanto o último seria o assédio praticado por um subalterno que se julga merecedor do cargo do chefe, bem como por um grupo de funcionários que quer sabotar o novo chefe, pois não o julgam tão tolerante quanto o antigo ou tão capacitado para tal cargo5.
Como bem ressalta Francisco Meton Marques de Lima6, nota-se, inicialmente, que os principais alvos do assédio moral são os empregados estáveis, como diretores de sindicato e funcionários públicos, pois a estabilidade impede que esses trabalhadores sejam dispensados sem justa causa, de modo que a tática utilizada por muitas vezes pelos administradores é a de vencer pelo cansaço. Acrescenta, ainda, os trabalhadores vítimas de acidentes do trabalho, ou de qualquer doença, pois, ao invés de readaptá-los de modo paciente e compreensivo, o empregador e colegas preferem hostilizá-lo, zombando de sua situação e criando um ambiente totalmente desagradável ao reabilitado.
3.2. Elementos
3.2.1 Natureza Psicológica
Na formulação atual, o assédio moral é concebido como uma forma de “terror psicológico” praticado pela empresa ou pelos colegas, que também é definido como “qualquer conduta imprópria que se manifeste especialmente através de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, de colocar seu emprego em perigo ou de degradar o clima de trabalho”7, ou mesmo como “prática persistente de danos, ofensas, intimidações ou insultos, abusos de poder ou sanções disciplinares injustas que induz naquele a quem se destina sentimentos de raiva, ameaça, humilhação, vulnerabilidade que minam a confiança em si mesmo”8.
De tais conceitos, podemos depreender que o elemento comum, além da finalidade de exclusão, é a modalidade da conduta, a qual sempre se verifica agressiva e vexatória, capaz de constranger a vítima, trazendo nela sentimentos de humilhação, inferiorização, afetando essencialmente a sua auto-estima.
Como elencam MONATERI, BONA e OLIVA9, o “mobbing” pode concretizar- se de diversas formas, que, a título ilustrativo, podem ser: a marginalização do sujeito mediante a hostilidade e a não comunicação; críticas contínuas a seus atos; a difamação; a atribuição de tarefas que inferiorizam e são humilhantes ou, ao contrário, difíceis demais de cumprir, sobretudo quanto propositadamente não acompanhadas de instrumentos adequados; o comprometimento da imagem do sujeito perante seus colegas, clientes, superiores; transferências contínuas de um escritório a outro, etc.
Ainda em consonância com os doutrinadores, a importância e o mérito de se estudar um fenômeno como o assédio moral é justamente o alcance de uma definição que pode agrupar uma série de comportamentos que suas vítimas, principalmente aquelas que trabalham em empresas de médio e grande porte, notavam como sendo “algo errado”, porém pela falta de uma categoria específica desse mal, muitas vezes submetiam-se e tornavam-se cúmplices de tais práticas perversas.
A principal implicação do terrorismo psicológico é a afetação da saúde mental e física da vítima, mais comumente acometida de doenças como depressão e stress, chegando, por vezes, ao suicídio.
É justamente por ser uma forma sutil de degradação psicológica que, por muitas vezes, a tarefa mais difícil é identificar o assédio moral, pois a pessoa é envolvida em um contexto tal que é levada a pensar que é merecedora ou mesmo culpada pelas situações constrangedoras. Ultrapassada esta fase de reconhecimento do assédio, mais acessível é a fase de comprovação dele, pois, em grande parte, o processo é feito perante os demais colegas, com a exposição pública e reiterada das críticas e ofensas ao trabalho da pessoa, ainda que nem sempre de maneira escrita (como, por exemplo, afixação em mural de lista dos funcionários que não atingiram a meta mensal) e de declarada perseguição.
3.2.2. Conduta repetitiva e prolongada da conduta ofensiva ou humilhante
Um dos elementos essenciais para a caracterização do assédio moral no ambiente de trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, não há de ser um ato esporádico capaz de trazer lesões psíquicas à vítima.
Como bem esclarece o acórdão proferido no TRT da 17ª Região, “a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.”10
Assim, o arco temporal deve ser suficientemente longo para que cause um impacto real e de verdadeira perseguição pelo assediador.
Em um de seus trabalhos, Dr. Leymann11 chega a quantificar um período mínimo, afirmando que “uma dificuldade relacional se torna assédio quando é praticada com uma freqüência mínima de uma vez por semana, em um período superior a 6 meses”.
Atualmente, não se fala em um tempo determinado em dias, ou meses, porém foi constatado que o assédio moral, em regra, se configura no prazo de 1 a 3 anos12, o que, porém, não deve servir de parâmetro, vez que o assédio pode ser verificado em tempo mais exíguo, dependendo do tempo que o dano levar para se instalar.
3.2.3. Finalidade
Como já se ressaltou, o objetivo principal do assédio moral é a exclusão da vítima, seja pela pressão deliberada da empresa para que o empregado se demita, aposente-se precocemente ou ainda obtenha licença para tratamento de saúde, bem como pela construção de um clima de constrangimento para que ela, por si mesma, julgue estar prejudicando a empresa ou o próprio ambiente de trabalho, pedindo para ausentar-se ou para sair definitivamente.
Nesse passo, Francisco Marques13 nos traz que uma das formas de exclusão do empregado é através do famoso PDV, ou seja, Programa de Desligamento Voluntário, pois, segundo ele, cria-se no aderente a chamada “ilusão monetária”. Acrescenta o autor que o sindicato dos bancários de São Paulo, através de uma pesquisa realizada, apontou que 90% dos funcionários que aderem ao plano se arrependem, pois a maioria o faz em virtude do terror psicológico: ameaça de demissão, de transferência para localidade distante, registrando ainda casos de depressões, separações e até suicídios entre os pedevistas.
Este é o caso que enfrentou a General Motors de São Caetano do Sul, acusada de assédio moral por duas empregadas por tê-las coagido a aderir a um programa de demissão voluntária, mantendo-as em uma sala fechada por quatro horas sob a pressão da chefia para que a adesão fosse feita14.
Devemos, no entanto, analisar cautelosamente os casos acima aventados, pois as circunstâncias apontadas, tais como medo da demissão ou da transferência, nem sempre decorrem de uma pressão de “terror” proposital da empresa, mas geralmente são angústias e expectativas inerentes a qualquer funcionário cujo empregador esteja passando por dificuldades ou que tenha facultado a adesão ao PDV, devendo ser demonstrada a ameaça ou o constrangimento, além da formação do dano psicológico.
3.2.4 - Necessidade do dano psíquico-emocional
Uma das discussões atuais sobre o tema, que foi, inclusive, levantada durante debate no 18º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho15, é a questão da necessidade de existência do dano psíquico-emocional para que o assédio moral esteja configurado.
De um lado, argumenta-se que se a comprovação da existência do dano for condição para a configuração do assédio moral, será criada uma situação na qual as “vítimas” que tivessem uma estrutura psicológica mais preparada estarão desprotegidas. Desse modo, a conduta assediadora não será condenada ou coibida pelas autoridades, vez que não haveria a figura do assédio moral a ser punida. Defendeu-se, portanto, que a efetiva comprovação do dano emocional não poderia ser requisito para a configuração do assédio, pena de, indiretamente, permitir a ação assediadora com relação aos empregados emocionalmente mais resistentes.
Entretanto, devemos analisar mais detidamente a questão.
Isso porque o assédio moral é uma das formas de se configurar o dano aos direitos personalíssimos do indivíduo. Assim, um ato violador de qualquer desses direitos poderá configurar, dependendo das circunstâncias, o assédio moral, o assédio sexual ou a lesão ao direito de personalidade propriamente dita. A diferença entre eles é o modo como se verifica a lesão, bem como a gravidade do dano.
Dessa forma, teríamos o assédio moral como uma situação de violação mais grave que a “mera” lesão do direito de personalidade, eis que acarreta um dano à saúde psicológica da pessoa, à sua higidez mental, o que deve ser mais severamente repreendido pelo ordenamento.
Estudos feitos por médicos e psicólogos do trabalho mostram que o processo que desencadeia o assédio moral pode levar à total alienação do indivíduo do mundo social que o cerca, julgando-se inútil e sem forças e levando, muitas vezes, ao suicídio.
Levando isso em conta, a não configuração do assédio moral pela ausência do dano psíquico não exime o agressor da devida punição, pois a conduta será considerada como lesão à personalidade do indivíduo, ensejando o dever de indenizar o dano moral daí advindo.
Destarte, a pessoa que resiste à doença psicológica, seja por ter boa estrutura emocional, seja por ter tido o cuidado de procurar ajuda profissional de psicólogos ou psiquiatras, não será prejudicada, pois sempre restará a reparação pelo dano moral sofrido, ainda que o mesmo não resulte do assédio moral.
O que se observa é a banalização do instituto, que é quase confundido com o dano moral, ou seja, basta o empregador insultar o empregado uma vez diante dos colegas para que o Poder Judiciário condene a empresa por assédio moral.
O que se pretende é justamente delinear os limites em que o assédio moral se dá para que não haja generalização do instituto, fugindo da natureza que o criou, que é a preocupação com as doenças psicológicas nascidas nas relações de trabalho.
Nessa esteira, entendo que a configuração do assédio moral depende de prévia constatação da existência do dano, no caso, a doença psíquico-emocional. Para tanto, necessária à perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal.
Ressalto que a prova técnica para a constatação do dano deve ser produzida por perito da área médica, sem o que não há como se falar em assédio moral, eis ausente seu pressuposto essencial: o dano psicológico ou psíquico-emocional.
Para concluir esse ponto, reitero que: a) a existência do dano psíquico, emocional ou psicológico é requisito para configuração do assédio moral; b) é necessária a prova técnica do dano, que se daria por meio de laudo médico afirmando existir a doença advinda do trabalho; c) a vítima da conduta assediadora que não sofrer esse tipo específico de dano não ficará desprotegida, pois ainda poderá pleitear danos morais pela ofensa aos seus direitos de personalidade.
4 - Da Legislação Estrangeira
Ante a necessidade de regulamentação ao assédio moral no ordenamento jurídico nacional, importante realizar um estudo sobre a forma como o tema é tratado em alguns países da Europa e da América do Sul.
4.1. França
O assédio moral é regulado em um capítulo específico do Código do Trabalho francês, o qual se aplica tanto a empregados e empregadores da iniciativa privada quanto a empregados públicos, nos termos do artigo L 1151-1 do Código do Trabalho.16
O assédio moral é definido pelo artigo L 1152-1 do Código do Trabalho como a conduta repetida que tem por objetivo ou como conseqüência uma degradação das condições de trabalho suscetível de atentar contra a dignidade do trabalhador, de alterar a sua saúde física ou mental ou de comprometer o seu futuro profissional.
Conforme prevê o artigo L 1152-2 do Código do Trabalho, nenhum empregado poderá ser punido, despedido ou ser objeto de uma medida discriminatória, direta ou indireta, notadamente em matéria de remuneração, qualificação profissional, promoção ou renovação de contrato por ter sofrido ou por ter-se recusado a sofrer atos repetidos de assédio moral ou por ter testemunhado ou relatado tais fatos.
Todo ato e toda ruptura contratual praticada em violação aos supracitados artigos é nula, de acordo com o artigo L 1152-3 do Código do Trabalho. Todo empregado que pratica um ato e assédio moral é passível de sanção disciplinar, nos termos do artigo L 1152-5 do Código do Trabalho.
Registre-se também que na França o assédio moral possui repercussões na esfera penal. Nesse sentido, a prática de assédio moral (bem como de assédio sexual) é crime, previsto no artigo L 1155-2 do Código do Trabalho e punido com pena de prisão de até 1 (um) ano e multa de 3.750 (três mil setecentos e cinqüenta) Euros.
Cabe destacar que a legislação francesa estabelece e regula de modo detalhado o dever de prevenção por parte do empregador da prática do assédio moral no ambiente de trabalho.
4.2. Portugal
Em Portugal o tema do assédio moral também é regulado pela lei. O artigo 18 do Código do Trabalho português estabelece a regra geral segundo a qual o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.17
À luz desse princípio, o artigo 24, item 1, do Código do Trabalho português considera o assédio uma forma de discriminação contra o trabalhador ou candidato a emprego. E nesse sentido o assédio moral é definido como todo comportamento indesejado relacionado à ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, patrimônio genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crônica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical e praticado quando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, nos termos do artigo 24, item 2, combinado com o artigo 23, item 1, do Código do Trabalho português.
Por ser o assédio moral uma espécie do gênero discriminação (para o Direito português), aplica-se a ele a regra prevista no artigo 23, item 3, do Código do Trabalho português, de acordo com a qual cabe a quem alegar a discriminação, fundamentá-la e indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em motivo relacionado à ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, patrimônio genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crônica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical.
Registre-se também que uma vez provada a prática do assédio resultante de ato discriminatório contra trabalhador ou candidato a emprego, a vítima terá direito a uma indenização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos do artigo 26 do Código do Trabalho português.
4.3. Espanha
Ao contrário da França, a legislação espanhola a respeito do assédio moral é bastante lacônica. O Estatuto dos Trabalhadores espanhol estabelece, em seu artigo 4, 2, “e”, terem os trabalhadores espanhóis direito ao respeito à sua intimidade e à consideração devida à sua dignidade, o que inclui a proteção frente ao assédio por razão de origem racial ou étnica, religiosa ou por convicções, por incapacidade, idade ou orientação sexual.18
Especificamente em relação às pessoas com deficiência, a Lei 51, de 2.12.2003, em seu artigo sétimo determina a adoção de medidas contra a discriminação, as quais podem consistir na proibição do assédio, definido pelo referido artigo sétimo como: “toda conduta relacionada à deficiência de uma pessoa, que tenha como objetivo ou conseqüência atentar contra sua dignidade ou criar um entorno intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.19
Vale a pena mencionar também que a prática de assédio moral também poderá ter conseqüências penais, com fundamento no artigo 173, item 1, do Código Penal espanhol 20, o qual pune a prática de tortura e outros delitos contra a integridade moral com pena de prisão de seis meses a dois anos.
Com base na escassa legislação, o conceito de assédio moral tem sido construído principalmente pela jurisprudência espanhola, que tem definido o assédio moral nos seguintes termos:
“O “mobbing” se define como a situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema de forma sistemática e recorrente (em média uma vez por semana) durante um tempo prolongado (em media uns 6 meses) sobre outra pessoa ou pessoas sobre as quais mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua reputação, perturbar o exercício de suas funções e lograr que finalmente essa pessoa ou pessoas acabem abandonando o local de trabalho”. (Juzg. de lo Social nº 1, Bilbao, 22.3.02; STSJ Cataluña 28/11/01).21
“O “mobbing” é uma forma de assédio no trabalho em que uma pessoa ou um grupo de pessoas se comportam abusivamente com palavras, gestos ou de outro modo que atente aos empregados com a conseqüente degradação do clima laboral” (Trib. Sup. Just. Navarra, Sala de lo Social, 18.5.01)22.
A ausência de regulação legal específica do assédio moral aplicável a todos os trabalhadores não impede o seu reconhecimento e punição por parte da jurisprudência, inclusive em relação ao assédio moral praticado no setor público.
Em linha com a melhor doutrina, a jurisprudência espanhola entende que o autor do assédio moral pode ser tanto superiores hirerárquicos quanto colegas de trabalho da vítima. Ademais, registre-se ter a empresa o dever de evitar o assédio moral, como demonstram as seguintes decisões:
“Os agentes do assédio costumam ser majoritariamente chefes, ainda que também existam assediadores entre os mesmos companheiros e entre os subordinados (Juzg. de lo Social nº 36, Madrid, 29.4.03)23
“A empresa é responsável pelas atuações dos diretores em relação a seus subordinados e se, tendo conhecimento da situação de “mobbing”, nada fez para evitá-lo”. (Juzgado de lo Social nº3, Vigo, 28.02.02)24.
Uma vez caracterizado o assédio, sob a forma de desqualificaçã o e isolamento do trabalhador, e dessa forma violado o seu direito à integridade física e psicológica, a empresa pode ser condenada ao pagamento de indenização pela ruptura ilícita do contrato de trabalho que pode ser de 60.000 (sessenta mil) Euros25 chegar ao valor de 91.484 (noventa e um mil quatrocentos e oitenta e quatro) Euros, como recentemente decidido.26 Ressalte-se que a própria administração pública chegou a ser condenada a pagar uma indenização pela prática de assédio moral.27
4.4. Itália
A experiência italiana nos mostra que, apesar da ausência de uma legislação específica vedando a prática de assédio moral, é possível coibir judicialmente tal conduta através dos estudos que vêm sendo aprofundados e disseminados sobre o tema na comunidade jurídica, em especial na área do Direito do Trabalho.
Em seu artigo sobre a abordagem italiana do assédio moral28 ressaltam os autores que a importância de se incluir uma série de condutas “multiformes de comportamento” em uma definição única de mobbing, como é chamado neste país, é a de se ter um salto quantitativo na indenização, isto é, reorganiza-se a tutela compensatória do trabalhador.
De acordo com o mesmo artigo, as primeiras decisões que enfrentaram diretamente a questão do mobbing são recentes (por volta dos anos 1999/2000), pois, até então, os tribunais italianos tratavam do fenômeno sem uma visão consciente de conjunto, de modo que o que se verificava era a fragmentação das ações que hoje pode se considerar como mobbing. Assim, verificamos a ampla casuística sobre danos por desqualificaçã o e rebaixamento profissional.
Temos como exemplo a desqualificaçã o profissional reconhecida no caso em que um trabalhador, cuja função era testar pneus em pista e estrada, foi designado para o controle das reclamações de pneus, que consistia numa atividade meramente manual, totalmente destituída de responsabilidade e autonomia na execução do trabalho29.
Neste tocante, o art. 2.103 do Código Civil italiano desempenhou papel relevante, assim como as disposições combinadas dos arts. 32 Const., 2.043 e 2.103 do Código Civil, que tratam, basicamente, da responsabilidade do empregador, a qual foi amplamente reconhecida nos seguintes casos: “marginalização do empregado através da desqualificaçã o progressiva da sua atividade; variação in pejus das tarefas a cumprir; empobrecimento da bagagem profissional devido à constrição do trabalhador à inatividade; atribuição ao trabalhador de tarefas diferentes e de menor qualificação por ele pertencer a uma determinada área política (chamado de “loteamento”); pôr junto um ou mais indivíduos a fim de controlar e desvalorizar a atividade da vítima; subutilização do trabalhador em relação às funções de direito; reintegração do trabalhador ilegitimamente despedido para desempenhar funções que não correspondem à sua qualificação.”
Cita-se um caso decidido pelo Tribunal de Milão30, que hoje seria classificado como mobbing, no qual se considerou que “a designação do trabalhador para funções não condizentes com a categoria à qual pertence, que não permitem nenhum enriquecimento do patrimônio profissional nem avanços de carreira, e que, pelo contrário, determina um estado de inatividade e marginalização viola o art. 2.103 Código Civil e implica na condenação do empregador ao ressarcimento dos danos ao profissionalismo” .
A jurisprudência italiana ainda reconheceu vários casos de dano com a responsabilidade do empregador, tais como: “a transferência não justificada do trabalhador para outro escritório da empresa; a ameaça de demissão; a maquinação delituosa por parte do chefe de pessoal em detrimento do trabalhador, consistindo numa simulação de reiterada e imotivada de sanções disciplinares; a imposição de participar de um curso de auto-avaliação das aptidões profissionais a fim de gerar nos trabalhadores a convicção de serem inúteis na organização empresarial; retorno e abertura sistemáticos da correspondência endereçada à vítima; atribuição de benefícios não merecidos a indivíduos do mesmo nível da vítima; emprego excessivo do trabalhador (levando-o ao estresse); abuso de controle da doença do empregado.”
As duas sentenças do Tribunal de Turim constituem um marco na jurisprudência trabalhista italiana, pois pela primeira vez, fez-se utilização do mobbing, considerando- o como um fenômeno unitário, como categoria de responsabilidade e de dano apta a tornar mais eficaz a tutela integral da personalidade moral e da saúde dos trabalhadores.
4.5. Chile
Se por um lado a legislação chilena a respeito do assédio sexual pode ser considerada uma das mais completas do mundo, por outro ela é bastante lacônica a respeito do assédio moral. Nesse sentido, a lei não conceitua o que seja o assédio moral. O Código do Trabalho do Chile, em seu artigo 2, item 2, simplesmente estabelece que as relações de trabalho deverão sempre pautar-se por uma conduta compatível com a dignidade do ser humano.31
Com o propósito de concretizar tal regra, o artigo 153, caput, do Código do Trabalho do Chile estabelece que empresas, estabelecimentos ou unidades econômicas com mais de dez empregados devem elaborar um regulamento de empresa. Tal regulamento deverá, especialmente, conter normas que garantam um ambiente de trabalho digno e de mútuo respeito entre os trabalhadores.
Dentre as disposições obrigatórias que o regulamento interno deve ter, previstas no artigo 154 do Código do Trabalho do Chile, para fins do presente estudo destaca-se a clara definição de direitos e obrigações às quais os trabalhadores estão sujeitos. Tais obrigações, bem como as medidas de controle, somente podem ser aplicadas por meios idôneos e compatíveis com a natureza da relação de trabalho e, em todo caso, sua aplicação deverá ser geral, de forma a garantir a impessoalidade da medida, para respeitar a dignidade do trabalhador.
Outro item que poderá colaborar no combate ao assédio moral refere-se à designação dos cargos ante os quais os trabalhadores devem apresentar seus pedidos, reclamações, consultas e sugestões. De acordo com artigo 155 do Código do Trabalho do Chile, as respostas dadas pelo empregador às questões apresentadas de acordo com o procedimento previsto no regulamento interno poderão ser verbais ou mediante correspondência individual ou notas circulares. Anexa à resposta o empregador pode encaminhar documentos que a empresa estime necessários para melhor informar os trabalhadores.
A importância de informar adequadamente os empregados a respeito das condições de trabalho é reiterada no artigo 156 do Código do Trabalho, o qual prevê que os regulamentos internos e suas modificações deverão ser levados a conhecimento dos trabalhadores trinta dias antes da data de início de vigência, bem como devem ser fixados em, pelo menos, dois lugares visíveis do estabelecimento com a mesma antecedência. Deverá também ser entregue uma cópia aos sindicatos, ao delegado de pessoal e aos comitês paritários existentes na empresa. Ademais, o empregador deverá entregar gratuitamente aos trabalhadores um exemplar impresso do regulamento interno da empresa.
4.6. Colômbia
O assédio moral foi tipificado na Colômbia por meio da Lei 1010, de 23.01.2006.32 De início a referida lei, em seu artigo primeiro, parágrafo único, já exclui de seu âmbito de aplicação a contratação administrativa e os trabalhadores autônomos, de modo que se aplica apenas aos empregados e trabalhadores subordinados.
De maneira original, o artigo segundo da lei colombiana fixa um rol exemplificativo de seis modalidades gerais de assédio, quais sejam:
a) mau trato laboral: todo ato de violência contra a integridade física ou moral, a liberdade física ou sexual e os bens do empregado ou trabalhador; toda expressão verbal injuriosa ou ultrajante que lesione a integridade moral ou os direitos à intimidade e ao bom nome dos sujeitos de uma relação de trabalho ou todo comportamento tendente a diminuir a auto-estima e a dignidade dos sujeitos de uma relação de trabalho.
b) perseguição laboral: toda conduta reiterada ou evidentemente arbitrária que possui o propósito de induzir a demissão do empregado, mediante a desqualificaçã o, a carga excessiva de trabalho e mudanças permanentes de horário que podem gerar desmotivação no emprego.
c) discriminação laboral: todo tratamento diferenciado por motivo de raça, gênero, origem familiar ou nacional, credo religioso, preferência política ou situação social ou que careça de razoabilidade do ponto de vista laboral.
d) entorpecimento laboral: toda ação tendente a obstaculizar o cumprimento do trabalho ou torná-lo mais gravoso ou retardá-lo com prejuízo para o empregado. Dentre tais condutas inclui-se a privação, ocultação ou inutilização de insumos; documentos ou instrumentos para o trabalho, a destruição ou perda da informação, o ocultamento de correspondência ou mensagens eletrônicas.
e) iniqüidade laboral: designação de funções a menosprezo do trabalhador; e
f) desproteção laboral: toda conduta tendente a colocar em risco a integridade e a segurança mediante ordens ou designação de funções sem o cumprimento dos requisitos mínimos de proteção e segurança para o trabalhador.
Os artigos terceiro e quarto da lei trazem como originalidade em relação às demais legislações a respeito do tema a previsão de circunstâncias atenuantes e agravantes do assédio. Dentre as circunstâncias atenuantes destaca-se o arrependimento eficaz, após a prática do assédio. Dentre as circunstâncias agravantes inclui-se a posição predominante que o autor do assédio ocupe na sociedade por sua ilustração, poder, ofício ou dignidade.
Importante notar que, de acordo com o artigo sexto da lei, apenas se reconhece o assédio moral vertical descendente (praticado pelo superior contra alguns de seus subordinados hierárquicos) e descente (praticado pelos subordinados contra o chefe). Ou seja, o assédio moral horizontal não é coibido, o que na prática pode não proteger adequadamente o trabalhador contra essa outra forma de constrangimento ilegal.
Os artigos sétimo e oitavo da lei estabelecem, respectivamente, rols de condutas que podem e que não podem ser qualificadas como assédio. Dentre as condutas que podem ser consideradas como de assédio cite-se a desqualificaçã o das opiniões e propostas da vítima feita de modo humilhante e na presença dos companheiros de trabalho. Observe-se que todas as condutas elencadas exigem a repetição, excepecionalmente um único ato hostil poderá configurar assédio. Como exemplo de conduta que não caracteriza assédio, a lei prevê o cumprimento do regulamento interno e do contrato de trabalho. Todavia, a qualquer exigência técnica e requerimento de eficiência deverão ser fundamentados em critérios objetivos e não discriminatórios.
A importância de se criar procedimentos para prevenir e punir o assédio também está presente na lei. De acordo com o seu artigo nono, tal procedimento deve ser confidencial, conciliatório e efetivo. Onde existam, os comitês de empresa, de caráter bipartido, poderão ser os órgãos responsáveis pela apuração do assédio. A omissão em se adotar procedimentos de prevenção e punição do assédio será entendida como tolerância na prática do mesmo, nos termos do artigo 9, item 3, §2 da lei.
4.7. Grã-Bretanha
O conceito de assédio moral na Grã-Bretanha tem sido construído pela jurisprudência inglesa a partir de preceitos legais relativos à saúde e segurança ocupacional. Como ponto de partida cite-se a Lei sobre Saúde e Segurança Ocupacional de 1974. Tal lei estabelece duas obrigações importantes para o tema em estudo: os deveres de cuidado e de prover um ambiente de trabalho que, na medida do possível, seja seguro e sem riscos à saúde.33
A Lei sobre direitos individuais do trabalho e reforma sindical de 1993 protege o empregado que denuncia casos de violação a normas de saúde e segurança ocupacional contra despedida abusiva e outras formas de constrangimento. 34 A Lei sobre Justiça Criminal e Ordem Pública de 1994, pune na esfera penal o assédio intencional que cause a outrem desconforto e preocupação por meio de palavras ou comportamento ameaçadores, abusivos ou insultantes. 35
Talvez a lei mais importante a respeito do tema seja a Lei de proteção contra o assédio de 1997. A referida lei não define o que seja assédio. Ela apenas estabelece em seu artigo primeiro que fica proibida a conduta de assédio, ou a conduta que de acordo com o senso comum poderia ser considerada como assédio. Uma vez caracterizado, o assédio pode ter dois tipos de conseqüência para o autor: pena de prisão de até seis meses e/ou multa, na esfera penal; e pagamento de indenização por danos morais e materiais sofridos pela vítima, conforme prevêem, respectivamente, os artigos dois e três da lei. Registre-se também que nas demandas relativas a assédio o juiz poderá estabelecer em relação ao réu uma obrigação de não fazer a qual, se descumprida, poderá sujeitar o réu a multa e/ou prisão por até cinco anos, nos termos do artigo quinto da lei. 36
Com base nos preceitos legais supramencionados, a jurisprudência inglesa definiu os limites do assédio. Inicialmente, cabe esclarecer que, desde 1.999 danos pessoais oriundos do assédio e da discriminação devem ser julgados por uma corte trabalhista. 37
A jurisprudência inglesa tem concedido proteção legal aos trabalhadores que denunciarem a prática de assédio moral ou mesmo sexual, se tornam eles mesmos vítimas de outras formas de constrangimento ilegal.38 Em 2000, a jurisprudência estabeleceu o precedente que abriu caminho para que qualquer empregado que sofra dano psicológico como resultado de intimidação, assédio ou vitimização processe o seu empregador por negligência se, tendo sido devidamente informado, o empregador não toma nenhuma medida contra os autores do constrangimento ilegal. 39
Registre-se, por fim, que em março de 2005 foi estabelecido o precedente no qual a Corte de Apelação confirmou que a Lei de Proteção contra o Assédio se aplica ao assédio praticado no local de trabalho e que o empregador será responsável em substituição pelo assédio praticado por um empregado, respeitadas as regras normais de responsabilidade por substituição (vicarious liability rules).40
4.8. Alemanha
Na República Federal Alemã não inexiste uma lei específica a respeito do assédio moral no trabalho. O conceito de assédio moral tem sido construído pela jurisprudência a partir de princípios gerais expressos na Constituição alemã, tais como a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos fundamentais (art. 1.º); o direito à liberdade, à vida, à incolumidade física e ao livre desenvolvimento da personalidade humana (art. 2.º) e a proibição de discriminação por motivo de sexo, origem, credo, concepção política ou religião (art. 3.º da Constituição).
Com base em tais premissas, o assédio moral no trabalho tem sido visto como um atentado aos direitos fundamentais do ser humano. Nesse, sentido já se decidiu ser proibido atingir os direitos de personalidade do empregado por meio de ataques à sua personalidade ou à sua liberdade provocados pelo empregador, o qual deve manter um ambiente de trabalho sadio.41
A respeito da configuração do assédio moral no trabalho, a jurisprudência alemã tem entendido serem necessárias a repetição e a duração dos ataques à vítima, bem como a intencionalidade dos atos.42
Os requisitos para a configuração do assédio moral como doença ocupacional são: estar existência de um acidente, prejuízo à saúde do empregado, existência de nexo de causalidade entre as atividades do segurado e o acidente, bem como entre o acidente e o prejuízo causado à saúde.43 Uma parte da jurisprudência alemã tem admitido que o assédio moral possa gerar doenças físicas e psíquicas, tais como hipertensão arterial44 e depressão45.E nesse caso a vítima teria direito a indenização por danos morais decorrentes da humilhação sofrida, a qual pode chegar ao valor de 1000 (mil) Euros.46
Outra corrente jurisprudencial alemã, todavia, não considera o assédio moral doença profissional, por falta de evidências médicas.47
5. Organização Internacional do Trabalho (OIT)
A luta pelo fim da discriminação em matéria de trabalho e emprego é um dos princípios fundamentais da OIT na busca da justiça social e respeito aos direitos humanos, de modo que todos os Estados-Membros são obrigados a respeitar esses direitos fundamentais, hoje consubstanciados em várias Convenções, ainda que não as tenham ratificado.
As regras da Convenção 111, que proíbe qualquer tipo de discriminação, devem ser observadas como verdadeiros “sobreprincípios” dentro do ordenamento jurídico interno de cada país-membro, o qual deve tomar as medidas necessárias para coibir e reprimir o assédio moral.
Nesse sentido, assim dispõe a Convenção 111:
“As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação (art.5º, I).
Qualquer distinção, exclusão ou preferência, com base em qualificações exigidas para um determinado emprego, não será considerada como discriminação.”
Vale destacar que a Organização Internacional do Trabalho, quando da adoção da “Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento”, em 1998, elegeu a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação como um desses princípios e direitos fundamentais no trabalho, ao lado da liberdade sindical e da eliminação do trabalho forçado e infantil.
Tal Declaração estabelece uma obrigatoriedade de respeito a tais direitos fundamentais, independentemente de ratificação das respectivas Convenções (nº 29, 87, 98, 100, 105, 111, 138 e 182).
6. União Européia
No âmbito da União Européia, ainda não foi adotada uma diretiva, de efeito vinculante, a respeito do assédio moral, como já existe em relação ao assédio sexual, regulado pela Diretiva 2002/073/CE, a qual prevê inclusive um código de conduta para coibir o assédio sexual.
Em matéria de assédio moral, a iniciativa mais relevante consiste na Resolução A5-0283/2001, do Parlamento Europeu sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI)), publicada no Jornal Oficial C 77 E, de 28 de março de 2002.48
Decidiu-se editar a Resolução a partir de um estudo efetuado pela Fundação Dublin junto a 21 500 trabalhadores, no qual 8% dos trabalhadores da União Européia, ou seja, 12 milhões de pessoas, declararam ter sido vítimas de assédio moral no trabalho no decurso dos 12 meses precedentes à pesquisa. No estudo também se observou que a freqüência do assédio variou muito entre os Estados-membros devido a, dentre outros fatores, à subnotificação de casos em certos países, a uma maior sensibilização em outros e a diferenças entre culturas e entre sistemas jurídicos.
Esses foram os principais motivos que tornaram realidade a Resolução. Ela não define o que seja assédio moral, e se limita a um conteúdo muito mais programático. Ela apenas alerta para alguns fatos, dentre os quais destacam-se: (i) maior incidência do assédio moral nos contratos a termo e precários; (ii) serem as mulheres as principais vítimas do assédio moral; e (iii) a importância de se adotar medidas preventivas do assédio no local de trabalho. E convida os Estados-membros a regulamentarem o assédio moral, por meio de leis ou pela negociação coletiva de trabalho, inclusive a nível comunitário.
Por fim, em seu item 24, a Resolução convida a Comissão Européia a apresentar, o mais tardar em Março de 2002, uma análise detalhada da situação a respeito do assédio moral no trabalho em cada um dos Estados-membros e a apresentar seguidamente, o mais tardar em Outubro de 2002, com base nessa análise, um programa de ação que contenha medidas a nível comunitário contra o assédio moral no trabalho, o qual deverá incluir um calendário de realização; o qual não foi até agora cumprido49.
Sônia Mascaro Nascimento é Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo, advogada e consultora, Presidente da Comissão de Estudos em Direito e Processo do Trabalho.
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Notas de Rodapé
1 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. “Saúde mental para e pelo trabalho”, in Revista LTr nº 67-06/670, junho de 2003.
2 DEJOURS, Christophe. “A loucura do trabalho - estudo de psicopatologia do trabalho”. 5ª ed., São Paulo: Cortez Editora - Oboré, 1992, p.14-25 apud FONSECA (op. Cit.)
3 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. “Saúde mental para e pelo trabalho”, in Revista LTr nº 67-06/670, junho de 2003.
4 LEYMANN, Heinz. The mobbing encyclopaedia; file 13100e. in -http://www. leymann.se/ English/frame. html - 06.04.2004.
5 SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendonça. “O assédio moral no Direito do Trabalho”. In Rev. TRT 9ª R. Curitiba, nº 47, p. 177-226, jan/jun 2002.
6 “Direitos Humanos Fundamentais do Trabalho - Dano Moral” - Jornal do 11º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho - Ed. LTr - 25 e 26 de março/2003 - pg.22
7 Hirigoyen, Marie France - Molestie morali - apud MONATERI, Píer Giuseppe, BONA, Marco, OLIVA, Umberto.
“O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho”. RTDC, vol. 7, jul/set 2001, p.130.
8 Do manual anti-Bullying do MSF Union - sindicato inglês
9 "O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho“ RTDC, vol. 7, jul/set 2001.
10 Acórdão nº 9029/2002 - TRT 17ª Região - 1142.2001.006. 17.00.9 - Publicado no D.O. E: 15/10/2002.
11 LEYMANN, Heinz. The mobbing encyclopaedia; file 13100e. in -http://www. leymann.se/ English/frame. html - 06.04.2004.
12 MOURA, Mauro de. O psicoterror pode destruir uma pessoa em apenas uma semana.
13 “Direitos Humanos Fundamentais do Trabalho - Dano Moral” - Jornal do 11º Congresso Brasileiro de direito do Trabalho - Ed. LTr - 25 e 26 de março/2003 - pg. 22.
14 O que é discutível pela ausência de um tempo e reiteração razoável para formação do dano psíquico.
15 Promovido pela LTr. São Paulo, novembro/2003.
16 FRANÇA. Code du Travail. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2007.
17 PORTUGAL. Código do Trabalho. Disponível em:
. Acesso em 18 set. 2007.
18 ESPANHA. Estatuto de los Trabajadores. Disponível em: . Acesso em 18 set. 2007.
19 ESPANHA. Ley 51/2003. Disponível em: 20 ESPANHA. Código Penal. Disponível em: Acesso em 26 out. 2007.
21 No mesmo sentido, vide as seguintes decisões: (i) Juzg. de lo Social nº 21, Barcelona, 13.11.02, (ii) Trib.Sup. Just. Comunidad Valenciana, Sala de lo Contencioso- Administrativo, 29.9.01; (iii) Juzg. de lo Social n° 2, Girona, 19.8.02, e (iv) Trib. Sup. Just. Canarias, Sala de lo Cont. Adm., Santa Cruz de Tenerife, 27.2.03. Todas as decisões estão disponíveis no site: . Acesso em 26 out. 2007.
22 ESPANHA. Trib. Sup. Just. Navarra, Sala de lo Social, 18.5.01. Disponível em: . Acesso em 26 out. 2007.
23 ESPANHA. Juzg. de lo Social nº 36, Madrid, 29.4.03. Disponível no site: . Acesso em 26 out. 2007.
24 ESPANHA. Juzgado de lo Social nº3, Vigo, 28.02.02. Acesso em 26 out. 2007. A respeito desse tema, cite-se também a Sentença da Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Canarias, de 3 de Fevereiro de 2006, que condenou solidariamente a empresa e o gerente da mesma, como sujeito ativo do assédio sofrido pela trabalhadora. Decisão disponível em: http://www.acosomor al.org/ETorres11 .htm. Acesso em 26 out. 2007.
25 ESPANHA. Sentencias: de 16 de noviembre de 2004, de la Sala de lo Social; de 17 de febrero de 2005, de la Sala de lo Contencioso- Administrativo; y de 6 de octubre de 2005, de la Sala de lo Social de la Rioja. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
26 ESPANHA. Sentencia del Juzgado de lo Social nº 2 de Valladolid, de 2 de Octubre de 2006. Disponível em: < http://www.acosomor al.org/ETorres6. htm>. Acesso em 29 out. 2007. No mesmo sentido, ver a Sentencia de la Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Madrid, de 28 de Noviembre de 2006. Disponível em: Acesso em 29 out. 2007.
27 ESPANHA. Sentencia de la Sala de lo Contencioso- Administrativo de la Audiencia Nacional, de 11 de Octubre del 2006. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
28 MONATERI, Píer Giuseppe; BONA, Marco; OLIVA, Umberto. O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 2, nº 7, p. 127-51, jul/set 2001.
29 Pret. Milão, 1/04/1998, em D.L. Riv. Critica dir.lav., 1998, 992
30 30 de maio de 1997, em D.L.Riv. critica dir. lav., 1997, 789 - in MONATERI, Píer Giuseppe; BONA, Marco; OLIVA, Umberto. O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 2, nº 7, p. 127-51, jul/set 2001.
31 CHILE. Codigo del Trabajo. Disponível: < http://www.dt. gob.cl/legislaci on/1611/article- 59096.html.> Acesso em 18 set. 2007.
32 COLOMBIA. Ley 1010/2006. Disponível em:
. Acesso em 26 out. 2007.
33 GRÃ-BRETANHA. Health & Safety at Work Act 1974. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
34 GRÃ-BRETANHA. Trade Union Reform and Employment Rights Act 1993. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
35 GRÃ-BRETANHA. Criminal Justice & Public Order Act 1994. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
36 GRÃ-BRETANHA. Protection from Harassment Act 1997: Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
37 GRÃ-BRETANHA. Sheriff v. Klyne Tugs (Lowestoft) Ltd. [1999] IRLR 481, (CA). Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
38 Nesse sentido, vide o caso Fernandes v. Netcom Consultants (ET 2200060/00), no qual um ex-executivo de finanças, Antonio Fernandes, ajuizou demanda após ter sido injustamente despedido por ter enviado por fax à matriz norte-americana detalhes a respeito de comprovantes irregulares de despesa feitos pelo seu gerente. Pela despedida injusta, Fernandes ganhou uma indenização de £293,441 (duas mil novecentos e três quatrocentos e quarenta e uma libras esterlinas). Sumário da decisão disponível em: < http://www.pcaw. co.uk/policy_ pub/case_ summaries. html>. Acesso em 29 out. 2007.
39 GRÃ-BRETANHA. Waters v. Comissioner of Police of the Metropolis [1997] ICR 1073. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
40 GRÃ-BRETANHA. Majrowski v Guy’s & St Thomas’s NHS Trust [2005] EWCA Civ 251 (16 March 2005). Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
41 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 5. Kammer. R Sa. 403/00. 10.4.2001. 2 Ga. 8/2000. ArbG Gera. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
42 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 1. Kammer. 1 Sa 148/01. 10.6.2004. 4 CA 1775/00 ArbG Erfurt. Disponível em: < http://www.landesar beitsgericht. thueringen. de/urteile/ U1_14801. htm>. Acesso em 3. nov.2007.
43 COSERIU, Pablo. Mobbing und Sozial recht. Handbuch Mobbing-Rechtsschut z (recht in der praxis). WICKLER, Peter (org.). Heidelberg: Müller (C.F.Jur.), 2004. p. 322.
44 ALEMANHA. Landesozialgericht Rheinland-Pfalz L1 AL 110/0. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
45 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 5. Kammer. R Sa. 403/00. 10.4.2001. 2 Ga. 8/2000. ArbG Gera. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
46 ALEMANHA. Oberlandesgericht Koblenz, Az.: 1 U 1161/04-6/05. Disponível em: . Acesso em 3 nov. 2007.
47 ALEMANHA. Sozialgericht Dortmund S 36U 267/02. Disponível em: < http://www.mdr. de/mdr-info/ urteile/582259. html>.Acesso em 3 nov.2007.
48 UNIÃO EUROPÉIA. Resolução 2001/2339 (INI). Disponível em: . Acesso 1. nov. 2007.
49 Pra uma apreciação crítica a respeito da efetividade desse item da Resolução, ver CARVALHO, Messias. Assédio Moral/Mobbing. Disponível em: . Acesso em 1. nov. 2007.
“Trabalho em Revista”, encarte de DOUTRINA “O TRABALHO” – Fascículo n.º 143, janeiro/2009, p. 4809

Um comentário:

Unknown disse...

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