sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Intrajornada

O descanso de quinze minutos antes do trabalho extraordinário para empregados de ambos os sexos - Interpretação isonômica do artitgo 384 da CLT
Dr. Tamis Santos Faustino

Advogado Trabalhista e Previdenciário em Caraguatatuba - SP - Pós graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Unisal - SP.


Resumo:
Trata-se de artigo que tem por objeto analisar a possibilidade de aplicação do descanso de quinze minutos antes do trabalho extraordinário independente do sexo do trabalhador, sob o fundamento de que tal intervalo é norma de ordem pública de proteção à saúde e segurança no trabalho.
Palavras-chave: Descanso de quinze minutos antes do trabalho extraordinário. Isonomia entre homens e mulheres. Norma de ordem pública. Saúde e segurança do trabalho.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da excepcionalidade do trabalho extraordinário. 3. Da aplicação do artigo 384 da CLT para trabalhadores de ambos os sexos como princípio de isonomia constitucional. 4. Da aplicação do artigo 384 da CLT para trabalhadores de ambos os sexos como medida de saúde e segurança no trabalho. 5. Consequências da não concessão do intervalo previsto no artigo 384 da CLT. 6. Considerações finais. 7. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O artigo 384 da CLT, inserido no capítulo de proteção do trabalho da mulher, especificamente na seção dos períodos de descanso, enuncia que em caso de prorrogação do horário deverá ser concedido um descanso de quinze minutos no mínimo antes do inicio da jornada extraordinária de trabalho.
Embora haja respeitável posição no sentido de que tal dispositivo não teria sido recepcionado pela Constituição de 1988 , em 17 de dezembro de 2008 foi julgado na SDI-1 do TST o incidente de inconstitucionalidade IIN-R-1540/2005-046-12-00.5, no qual se pacificou o entendimento pela recepção do artigo.
Dessa forma, surge uma nova questão: “Teria os trabalhadores do sexo masculino igual direito?”
As leis tutelares do trabalho da mulher têm o escopo de assegurar-lhes igualdade de condições com os homens, mormente no que concerne à igualdade de funções, de critério de admissão e de salário, conforme o artigo 7º, XXX, da CF. Entretanto, tal dispositivo deve ser interpretado sistematicamente com o disposto no artigo 5º, I, da CF, segundo o qual homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.
Na doutrina de Alexandre de Morais, a correta interpretação do art. 5º, inciso I, da CF torna inaceitável a utilização de discriminação de sexo, sempre que o mesmo seja eleito com o propósito de desnivelar materialmente o homem da mulher; aceitando-o, porém, quando a finalidade pretendida for atenuar os desníveis"
Nesse contexto, analisaremos a interpretação do dispositivo supramencionado e a possibilidade de sua aplicação também aos homens, visto o caráter de excepcionalidade que deve assumir a atividade laborativa em jornada extraordinária, a qual é prejudicial e deve ser evitada, seja o trabalhador homem ou mulher.
2. DA EXCEPCIONALIDADE DO TRABALHO EXTRAORDINÁRIO
Em geral, nos países desenvolvidos, somente é lícito o trabalho extraordinário em  situações pontuadas, ou seja, um fenômeno inesperado ocasionado por necessidade inadiável, via de regra, imprevisível, as quais estão elencadas no artigo 61 da CLT.
O nosso Direito arrola os casos de necessidade imperiosa autorizadoras do trabalho extraordinário, na seguinte ordem:

a) Força maior (artigo 501 da CLT) entendida como acontecimento imprevisível para o qual o empregador não concorreu nem direta nem indiretamente, como um terremoto ou uma enchente, por exemplo;
b) A recuperação do tempo perdido em virtude de força maior ou causas acidentais;
c) A conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízos manifestos ao empregador, dada a sua própria natureza, como por exemplo, produtos perecíveis que devam ser colocados em refrigeradores.

Há também em nosso ordenamento trabalhista a permissão de trabalho extraordinário sempre que houver acordo escrito entre as partes, acordo ou convenção coletiva, desde que o número de horas extras não exceda de duas horas diárias e que sejam pagas com acréscimo de 50% sobre a hora normal.
Seja como for, o excesso de horas trabalhadas pode comprometer a saúde e a qualidade de vida do trabalhador, seja este homem ou mulher.

Em vários países industrializados, mormente na Europa, há uma pressão crescente em favor da redução do módulo diário para sete horas e semanal para 35 horas, justamente devido aos efeitos nefastos causados pelo excesso de horas trabalhadas, o que já demonstrou ser prejudicial também para a empresa, já que, em longo prazo, poderá ocasionar afastamentos do trabalho para tratamento da saúde.

Até mesmo no Brasil há projeto de emenda constitucional tramitando no Congresso Nacional visando a redução da jornada semanal de 44 para 40 horas semanais, fundamentada justamente na necessidade de diminuição das horas trabalhadas.

As longas jornadas de trabalho têm sido apontadas como causadoras do estresse, porque resultam em um grande desgaste para o organismo humano, independente do sexo.


3.  DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT PARA TRABALHADORES DE AMBOS OS SEXOS COMO PRINCÍPIO DE ISONOMIA CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal instituiu o princípio da igualdade como um dos seus pilares estruturais. Por outras palavras, aponta que o legislador e o aplicador da lei devem dispensar tratamento igualitário a todos os indivíduos, sem distinção de qualquer natureza. Assim, o princípio da isonomia deve constituir preocupação tanto do legislador como do aplicador da lei.

Este princípio baseia-se na igualdade de todos perante a lei. Igualmente jurídica, portanto, porque, naturalmente, os homens são desiguais. O princípio da isonomia não afirma que todos os homens ou mulheres são iguais no intelecto, na capacidade de trabalho ou condição econômica; mas, sim, que todos são iguais perante a Lei, onde os méritos iguais devem ser tratados igualmente, e situações desiguais, desigualmente.

A isonomia opera em dois planos distintos: diante do legislador, ou do próprio executivo, na edição de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que eles possam criar tratamentos diferentes a pessoas que se encontram em situações idênticas.  Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete (autoridade pública), de aplicar a lei e os atos normativos de modo igualitário, sem que o mesmo estabeleça diferença em razão do sexo, religião, raça, classe social, convicções filosóficas e/ou políticas etc.

O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, jamais poderá se afastar do princípio isonômico, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Deste modo, as normas que criem diferenciações abusivas, serão incompatíveis com a Constituição Federal.

O intérprete não poderá, ao subsumir os casos concretos às leis e aos atos normativos, criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. O Poder Judiciário, exercendo sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas diante das mesmas situações fáticas.

Assim, interpretar que o artigo 384 da CLT, mais benéfico a qualquer trabalhador, aplica-se somente às mulheres é deixar de atender tais exigências de isonomia consagradas em nossa Constituição Federal. Isso porque a interpretação será dada ao dispositivo legal conforme a análise do sistema no qual está inserido, sem se ater à interpretação isolada de um dispositivo, mas a seu conjunto.

Nesse sentido, Russomano apresenta uma proposta hermenêutica:

"Será, finalmente, possível – com boas razões – aproveitar-se a regra do artigo 384 para confrontá-la, sucessivamente, com os artigos 5º, 61 e 71, parágrafo 1º, desta Consolidação a fim de reforçar nessa interpretação, acima referida, de que esse intervalo para descanso pode ser devido em qualquer caso de prorrogação do serviço de qualquer trabalhador, sempre que tal prorrogação determinar sua permanência em atividade por mais de quatro horas consecutivas. O artigo 384, pois, seria subsídio para a interpretação exata dos outros dispositivos acima citados, caso sejam considerados expressos, ou para sua aplicação, por analogia, aos casos gerais, caso sejam os primeiros encarados como omissos a propósito."

Por fim, à vista do que se expôs, em interpretação sistemática e analógica, tem-se que o preceito contido no artigo 384 da CLT deve ser confrontado, no sentido de que o intervalo de quinze minutos para descanso entre a jornada normal e extraordinária seja devido em todos os casos de prorrogação de serviço de qualquer trabalhador.  Ademais, não se pode perder de vista que a melhor exegese do artigo 384 da CLT é pela sua aplicação indistinta, tanto para a proteção do trabalho da mulher como do homem, com vistas ao bem estar físico e psíquico do empregado, pois direitos conquistados não devem ser mitigados, do revés, devem estar ao alcance de todos.


4. DA APLICAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT PARA TRABALHADORES DE AMBOS OS SEXOS COMO MEDIDA DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO

A importância da concessão de intervalos durante a jornada de trabalho tem crescido ao longo da evolução do Direito do Trabalho. A intensificação de suas relações com matérias relativas a segurança e saúde no trabalho tem elevado em grande monta a necessidade de sua freqüência e prolongamento.

Os avanços das pesquisas acerca de saúde e segurança do trabalho têm ensinado que a extensão do contato do empregado com certas atividades ou ambientes laborativos é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre ou perigoso desses ambientes ou atividades.

Por essa razão é que a Constituição ao arrolar os direitos trabalhistas previu a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por normas de saúde, higiene e segurança.  Destarte, normas jurídicas concernentes a intervalos, seja qual for sua natureza, têm caráter de normas de saúde pública, não podendo ser suplantados, já que além de serem benéficas ao empregado, permitem que este recomponha suas forças e reduza as chances de sofrer acidente ou seqüela no ambiente de trabalho.

Nessa linha, Maurício Godinho Delgado preceitua:

“Os objetivos dos descansos situados dentro da jornada de trabalho concentram-se essencialmente em torno de considerações de saúde e segurança do trabalho, como instrumento relevante de preservação da  higidez física e mental do trabalhador ao longo da prestação diária de serviços”

Assim, o descanso de quinze minutos antes do trabalho extraordinário torna-se indispensável para os trabalhadores de ambos os sexos, uma vez que estes teriam a oportunidade de alimentar-se, descansar e repor suas energias.

Como mencionado no tópico específico, o trabalho extraordinário, ou seja, em jornadas prolongadas contribui para a fadiga física e psíquica, conduzindo a insegurança no ambiente de trabalho, a qual poderia ser mitigada com a concessão do intervalo do artigo 384 da CLT.


5. CONSEQUÊNCIAS DA NÃO CONCESSÃO DO INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT

Embora haja julgados que reconhecem não caber a aplicação analógica do disposto no artigo 71, § 4.º, da CLT, mas apenas a multa administrativa, a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, na forma do art. 401 da CLT ,

como conseqüência do afastamento da inconstitucionalidade nos autos do incidente de inconstitucionalidade, foi deferido, como extra, o suprimido tempo de intervalo previsto no art. 384 da CLT.
Assim, vigente o referido dispositivo, sua inobservância, deixando o empregador de conceder o intervalo de quinze minutos entre a jornada normal e a extraordinária, impõe-se penalizá-lo com o pagamento do tempo correspondente, com acréscimo de 50% da hora normal .


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS


Pelo exposto, não há dúvidas de que a concessão obrigatória do intervalo de quinze minutos antes do trabalho extraordinário para empregados de ambos os sexos é o melhor entendimento a ser adotado pelos Juízos e Tribunais, haja vista o princípio da isonomia constitucional, bem como as normas atinentes à saúde e segurança no trabalho.

Além disso, o exemplo do modo de produção e relações de trabalho dos países desenvolvidos, em especial os da Europa, têm demonstrado os benefícios da redução das jornadas e conseqüente prolongamento e reiteração dos intervalos, tanto para os trabalhadores como para os empregadores, os quais certamente a longo prazo perceberão as vantagens da redução de afastamentos do trabalho, causados por enfermidades ou acidentes do trabalho.


7. BIBLIOGRAFIA

BARROS, Alice Monteiro de, Curso de Direito do Trabalho, 6ª ed., São Paulo: LTR 2010.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010.

RUSSOMANO. Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 8ª ed. Curitiba: Juruá, 2001.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2004.

SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

Comentários:

Publicado por CHRISTIAN THELMO ORTIZ em 22/08/2010 as 14h25m
Olá Dr. Tamis,

Interessante o tema abordado, com muita propriedade.
No entanto, a Doutrina que engrossa a fileira majoritária entende que o artigo 384 da CLT não foi recepcionado pela CF/88, justamente por criar esta distinção entre o trabalho de homens e mulheres.
Uma pena, porque as normas que visam a proteção à saúde e higidez física dos trabalhador devem ser vistas pela ótica da máxima efetividade dos preceitos constitucionais, notadamente aqueles elencados no caput do artigo 6º da nossa Lex Magna.

Forte abraço,

Christian Thelmo Ortiz
Blog: http://diarioadvtrabalhista.blogspot.com

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