segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Penhora Justiça Trabalhista

TST - Casos de penhora para pagamento de dívidas trabalhistas mostram complexidade do tema


As ações de execução que chegam ao Tribunal Superior do Trabalho apresentam as muitas facetas da penhora - a apreensão de bens do devedor, por mandado judicial, para pagamento de dívidas decorrentes de condenações judiciais. Os recursos no TST envolvem bens de família, bens recebidos por doação com cláusula de impenhorabilidade, imóveis adquiridos de boa-fé por terceiros, valor existente em conta salário e proventos de aposentadoria, entre outros. Enfim, existem inúmeras variações sobre um mesmo tema, o que demonstra sua complexidade.
A questão é tão recorrente nos processos que chegam ao TST que, numa mesma sessão, a Primeira Turma julgou vários recursos em ações de execução tratando de penhora. Desses foram destacados quatro casos que demonstram a diversidade do assunto e mais um da Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2).
Bem de família
Um proprietário que não fazia inicialmente parte da reclamação trabalhista, mas teve seu imóvel penhorado na fase de execução da ação, interp?s embargos de terceiro. O recurso visa à liberação de bens indevidamente apreendidos, em procedimento judicial, pertencentes ou na posse de terceiros - pessoas físicas ou jurídicas que não fazem parte da ação trabalhista principal, ou seja, não são nem empregador nem empregado no caso em discussão.
Com o fim de modificar a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), esse terceiro recorreu ao TST alegando a impossibilidade de penhora de bem de família - imóvel utilizado como residência por casal ou unidade familiar. O Regional havia restabelecido sentença que determinou a penhora de imóvel de sua propriedade, com a fundamentação de que o proprietário não provou que o imóvel penhorado era o único destinado a residência da família.
Ao examinar o caso, o relator do recurso de revista, juiz convocado Hugo Carlos Scheuermann, considerou aplicável ao processo do trabalho a impenhorabilidade instituída pela Lei 8.009/90. Segundo o relator, para ser caracterizado como bem de família, o fundamental é que o imóvel seja residencial, isto é, que seja utilizado para moradia permanente pelo casal ou entidade familiar, nos termos do artigo 5º dessa lei.
Em seu voto, o desembargador Scheuermann afirmou que não se pode exigir da parte prova negativa de que não possui outros bens utilizados como residência. Além disso, ressaltou que o caso não se enquadrava em nenhuma das hipóteses excludentes previstas no artigo 3º da lei da impenhorabilidade do bem de família (dívidas trabalhistas ou previdenciárias para com empregados da própria residência, pensão alimentícia, obrigação decorrente de fiança em contrato de locação ou para pagamento de impostos predial e territorial, entre outros). Em decisão unânime, a Primeira Turma deu provimento ao recurso para, restabelecendo a sentença, determinar a liberação do imóvel da penhora. (Processo: RR - 126240-75.1996.5.02.0072 )
Doação e impenhorabilidade
Em uma execução iniciada em 2003, o proprietário, que viu seu imóvel ser objeto de penhora, alegou que o bem era resultado de doação com cláusula de impenhorabilidade e incomunicabilidade absoluta e vitalícia. Seu agravo de petição - recurso ao TRT quando a ação já está em fase de execução de sentença - teve provimento negado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ).
De acordo com o Regional, o donatário, que detém em seu patrim?nio bem doado com cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, não pode, sendo devedor, valer-se dessa blindagem para evitar o pagamento da dívida. Principalmente, conforme ressaltou o TRT, porque a dívida trabalhista tem caráter alimentar.
Por meio de agravo de instrumento ao TST, o proprietário sustentou que a decisão regional contrariou os incisos II, XXII e XXXVI do artigo 5º da Constituição da República. Relator do agravo, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho explicou que a impenhorabilidade do bem doado e a própria legalidade da pressão judicial são aspectos regidos pela legislação infraconstitucional.
Por essa razão, ele entendeu que, para se chegar à conclusão de que houve afronta aos dispositivos da Constituição, conforme pretendia o proprietário do imóvel, seria imprescindível o reexame da legislação infraconstitucional, o que é vedado na instância do TST, como estabelece o artigo 896, parágrafo 2º, da CLT e a Súmula 266 do TST. Com isso, a Primeira Turma negou provimento ao agravo de instrumento. (Processo: AIRR - 224000-27.1997.5.01.0004)
Adquirente de boa-fé
Em mais um caso de embargos de terceiro, a proprietária de imóvel em um condomínio em Santos (SP) teve seu bem listado para ser levado a leilão, que acabou suspenso por causa dos embargos. Ela alegou ser indevida a penhora porque sua situação era a de terceiro de boa-fé: de acordo com os autos, a reclamação trabalhista contra o antigo proprietário foi ajuizada em setembro de 2006, enquanto ela adquiriu o imóvel em 1995 e lavrou a escritura pública correspondente à celebração do negócio jurídico em 2004.
Antes de o caso chegar ao TST, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) havia negado provimento ao agravo de petição, mantendo a sentença que julgara improcedentes os embargos. O Regional entendeu que a penhora deveria ser mantida porque não tinha sido feito o registro de alienação no cartório de imóveis, requisito imprescindível para aperfeiçoamento do negócio jurídico. Após essa decisão, a proprietária recorreu ao TST.
Relator do recurso de revista, o ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho esclareceu que a lavratura da escritura pública de alienação do imóvel antes da reclamação trabalhista descaracteriza a má-fé da compradora e impõe julgar procedentes os embargos de terceiro, impossibilitando a apreensão judicial do bem.
O ministro, citando a Súmula 84 do Superior Tribunal de Justiça e diversos precedentes do TST, concluiu que, uma vez constatado que o imóvel penhorado foi alienado antes do ajuizamento da reclamação trabalhista, a penhora sobre não deveria persistir, mesmo que a escritura de compra e venda não tenha sido registrada em cartório, em respeito ao direito de propriedade, pois o comprador agiu de boa-fé. Com essa fundamentação, a Primeira Turma deu provimento ao recurso de revista para desfazer a penhora. (Processo: RR - 137800-96.2009.5.02.0447)
Salário e aposentadoria
Saldos existentes em conta bancária provenientes de salário ou aposentadoria são impenhoráveis por ter caráter alimentício, ou seja, são imprescindíveis ao sustento de quem sofreu a penhora. A impenhorabilidade dos salários está determinada no artigo 649, inciso IV, do CPC. Sobre o assunto, dois processos foram julgados recentemente no TST.
Um trata da penhora de saldo de conta salário e foi examinado, na Primeira Turma, pelo ministro Walmir Oliveira da Costa, em recurso de revista em execução de sentença. O outro, referente a proventos de aposentadoria, foi analisado pela SDI-2 em mandado de segurança no qual os executados alegavam que o bloqueio dos valores ofendia direito líquido e certo e poderia acarretar dano irreparável ou de difícil reparação.
No processo da Primeira Turma, os sócios de uma empresa devedora sustentaram, por meio do recurso de revista, a ilegalidade da penhora de sua conta salário, pedindo o desbloqueio dos valores, alegando, além da ofensa ao artigo 649 do CPC, a violação aos artigos 5º, inciso XXII, e 7º, inciso X, da Constituição. No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região (PI) havia negado provimento ao agravo de petição interposto pelos sócios.
O Regional considerou que eles haviam utilizado artifícios para que a empresa da qual eram donos não pagasse aos credores. Assim, entendeu que a penhora deveria recair sobre o patrim?nio dos sócios. Ao manter o bloqueio da conta salário, o TRT esclareceu que o artigo 649 do CPC protege o salário contra penhora devido a sua natureza alimentícia - mas, no caso, tratava-se de dívida de verbas trabalhistas, igualmente de natureza alimentícia.
No TST, o ministro Walmir reconheceu que a decisão do Regional violou o princípio constitucional da proteção dos salários. O relator explicou que o princípio da proteção do salário que, antes de 1988, estava presente apenas na CLT e no CPC, passou a constar explicitamente da Constituição no artigo 7º, incisos IV, VI e X. Por conta dessa proteção é que, além de irredutíveis, os salários são impenhoráveis, irrenunciáveis e constituem créditos privilegiados na falência e na recuperação judicial da empresa, além de constituir crime sua retenção dolosa, por se tratar de apropriação indébita. O relator acrescentou que o reconhecimento da invalidade da penhora da conta de salário já está pacificado no TST pela Orientação Jurisprudencial 153 da SDI-2.
Com essa fundamentação, a Primeira Turma decidiu, quanto ao mérito do recurso, dar-lhe provimento para decretar a nulidade da ordem judicial e determinar o levantamento da penhora das contas de salário dos sócios e determinar a devolução imediata dos valores apreendidos a seus titulares. (Processo: RR-272-11.2010.5.22.0000)
O tema da penhora de depósitos em conta provenientes de salários e aposentadorias é recorrente também nas sessões de julgamento da SDI-2. Num caso examinado recentemente, o mandado de segurança foi impetrado contra ato do juiz da 1ª Vara do Trabalho de Santos (SP), que determinou a penhora de 30% dos proventos de aposentadoria do empregador, recebidas do INSS.
Na avaliação do relator do recurso ordinário, ministro Pedro Paulo Manus, a impetração excepcional do mandado de segurança se justificava por já haver precedentes em casos análogos na SDI-2, pela possibilidade de prejuízo ao empregador e por não haver recurso eficaz para coibir, de imediato, os efeitos da penhora. O relator, citando o artigo 649 do CPC e precedente da própria SDI-2, concluiu que há expressa previsão legal para a não expropriação dos valores de aposentadoria. O ato do juiz da Vara de Santos, ao fazer incidir a penhora sobre a aposentadoria, infringiu a norma processual civil. Ao dar provimento ao recurso, a SDI-2 cassou a ordem e determinou a liberação da quantia já penhorada. (Processo: ED-RO-1117300-38.2010.5.02.0000)
Fonte: Tribunal Superior do Trabalho

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Embargos prazo de 30 dias Execução fiscal

TST decide que prazo de embargos é de 30 dias

O prazo de cinco dias fixados no artigo 884 da CLT é restrito aos Embargos à Execução de sentença condenatória trabalhista. Já no caso de cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública, aplica-se o disposto no artigo 16 da Lei 6.830/80, pelo qual o executado contará, para interpor embargos, com prazo de 30 dias, contados da garantia da execução. O entendimento é da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho.
Segundo o TST, não são aplicáveis à execução fiscal da dívida ativa os preceitos que regem a execução trabalhista. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP) havia julgado intempestivos os embargos interpostos pela Indústria e Comércio de Bebidas Conquista em execução fiscal, apresentado fora do prazo de cinco dias, conforme determina o artigo 884 da CLT.
Na ação de execução fiscal da dívida ativa da Fazenda Pública contra a empregadora, o TRT manteve no Agravo de Petição a sentença que declarou que os embargos foram apresentados fora do prazo legal.
Para o ministro Walmir Oliveira da Costa, relator do Recurso de Revista da empresa, ao declarar a intempestividade o TRT afrontou "o devido processo legal e o direito de defesa da parte". A Vara do Trabalho de origem deve receber o processo de volta para examinar o mérito dos embargos. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.
RR 30.900

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Beneficios concedidos por outra empresa

TRT 15ª R - Empresa não terá de pagar benefícios concedidos por outras do mesmo grupo (extraído do site http://www.iob. com.br/juridico/ noticia_integra. asp?id=31249)
Publicado em 25 de Março de 2009 às 09h38
A 5ª Câmara do TRT da 15ª Região manteve sentença da 9ª Vara do Trabalho de Campinas, que julgou improcedente uma ação na qual o reclamante pedia o reconhecimento do grupo econômico formado por três empresas de transporte ferroviário, com a conseqüente condenação de sua empregadora direta, uma das componentes do grupo, a pagar os valores relativos a ticket refeição e plano de saúde.
No recurso, o trabalhador argumentou que, por força de acordo coletivo, o grupo econômico concede esses benefícios aos empregados de duas das três empresas que o formam, mas não o faz para os funcionários de sua empregadora. A empresa rebateu sustentando que o autor fundamentara seus pedidos em acordo coletivo firmado por outra companhia e por sindicato distinto daquele que o representa.
A relatora do acórdão no TRT, Desembargadora federal do trabalho Gisela Rodrigues Magalhães de Araújo e Moraes, assinalou que benefícios como os pleiteados pelo autor “são extralegais, isto é, estão condicionados à existência de norma coletiva ou norma interna da empresa, ou decorrem do contrato individual de trabalho”. Por sua vez, lecionou a magistrada, os acordos coletivos são mais específicos, ficando restritos às relações individuais e envolvendo apenas as empresas e o sindicato de trabalhadores envolvidos na negociação. “Portanto, o acordo coletivo não abrange terceiros que dele não participaram, mesmo que se trate de empresas do mesmo grupo econômico”, concluiu a relatora, fundamentando- se na Súmula 374 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). (Processo 0174-2008-114- 15-00-7 RO)
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

Teletrabalho

O teletrabalho Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2. uol.com.br/ doutrina/ texto.asp? id=12530




Marcelo Ribeiro Uchôa
Advogado


Sumário:1. Introdução. 2. O teletrabalho segundo a doutrina. 3. Teletrabalho: subordinação, parassubordinaçã o e trabalho autônomo. 4. O Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho. 5. Teletrabalho e trabalho à distância. 6. Os pontos positivos e negativos do teletrabalho. 7. Teletrabalho, precarização e dumping social. 8. Notas finais. 9. Bibliografia.

1.0.CONSIDERAÇÕ ES INICIAIS
As últimas décadas foram marcadas por grandes mudanças na seara das relações trabalhistas. As transformações econômicas derivadas do processo transnacional de globalização refletiram nos quatro cantos do planeta, alterando substancialmente a forma de estruturação e atuação das empresas, além do modo de desenvolvimento do trabalho.
Os efeitos deste processo no campo laboral (precarização do trabalho, diminuição de postos de emprego formal, exploração de mão-obra, etc.) são drásticos e tencionam o Direito do Trabalho a alterar-se para adaptar-se à nova realidade. Para MANUEL CARLOS PALOMEQUE LÓPEZ:
"La necesidad de adaptación del ordenamiento laboral a la evolución de las diversas formas de organización del trabajo en la sociedad contemporánea, de modo que pueda seguir realizando la función de cohesión social que le es propia más allá de su reducto industrial tradicional, ha justificado una amplia serie de propuestas de modificación o reforma institucional de la disciplina… [01]" Os recentes câmbios econômicos, políticos e sociais puseram de ponta abaixo convicções, consensos e conceitos, a ponto de poder-se falar, parafraseando- se John Kenneth Galbraith [02], de uma "era da incerteza". JESÚS MERCADER UGUINA aponta que:
"En esta nueva era se produce una neta mutación en la morfología del concepto clásico de trabajador. La tercerización y el postindustrialismo conforman una relación salarial en la que la prestación de servicios en régimen de alteridad se adorna de nuevos perfiles. Autonomía, coordinación, participación son los rasgos diferenciadores de este momento frente a las clásicas de dependencia, subordinación y conflicto [03]". O avance tecnológico, sem o qual jamais seria possível a globalização, foi fundamental para o aparecimento de novas modalidades de trabalho, uma delas o teletrabalho, que apesar de possuir características de trabalho autônomo muitas vezes também apresenta características de trabalho subordinado. Afirma JAVIER THIBAULT ARANDA que:
"Si hasta hace poco la aplicación de estos nuevos sistemas [04] se dirigía al ámbito interno de las empresas, la capacidad de respuesta de los avances tecnológicos está abriendo expectativas que hasta hace poco tiempo eran impensables, como el hecho de trabajar desde cualquier parte del mundo para cualquier empresa. Como consecuencia del paso de la sociedad post-industrial a la sociedad del conocimiento, donde el verdadero valor añadido está en la manipulación de la información, el teletrabajo permite disgregar la actividad laboral y alterar –o mejor dicho flexibilizar- la existencia de un <>" [05]. Curioso é que a despeito da ocorrência sistemática do fenômeno desde pelo menos duas décadas a doutrina jurídico-laboral ainda não criou uma conceituação unânime do mesmo [06], apesar dos mais recentes estudos procurarem englobá-lo na definição de e-work, ou seja, que inclui "todo trabajo realizado fuera de la sede de una sociedad pero coordinado con ella mediante el empleo de tecnologías de la información y un enlace de comunicaciones" [07].
Críticas à parte, o importante é que uma vez constatado o vínculo laboral, esteja onde esteja a atividade obreira sendo executada, se dentro ou fora do centro de trabalho, o fenômeno cobra apreciação por parte do Direito do Trabalho, que deverá estar preparado para responder às diversas indagações sobre o assunto. E mais, ainda quando não exista propriamente subordinação jurídica, mas subsista subordinação econômica, numa relação trabalhista marcada pela coordenação e pela continuidade, não pode o Direito do Trabalho esquivar-se de considerar a parcial laborização contratual para efeitos de prestação de sua tutela.
Em que pese narradas problemáticas, as dificuldades de ação do Direito do Trabalho se multiplicam quando os "labores virtuais" são exercidos em países distintos do local de onde foram encomendados, pois aí é praxe notar-se, conforme adverte WILFREDO SANGUINETI RAYMOND, "una elección "a la carta" del régimen de la prestación laboral y una "importación virtual" del trabajo al precio del Estado menos protector" [08], configurando- se o que batiza de dumping social.
Não se desconhece os inúmeros pontos positivos do teletrabalho. Porém, as zonas nebulosas que acompanham o fenômeno (a saber: a distinção entre teletrabalho e trabalho a domicílio, a detecção da subordinação jurídica e/ou da subordinação econômica, o alcance limitado da assistência sindical, a incapacidade da autonomia coletiva em incluir os teletrabalhadores, e, sobretudo, como já dito, o dumping social corriqueiramente posto em evidência quando da utilização da forma atípica de trabalho em países extra fronteira) também existem e precisam ser enfrentadas.
A presente pesquisa objetiva analisar a complexidade jurídica que envolve a relação de teletrabalho, tão atual e freqüente nas mais distintas sociedades, e cujo estudo vem suscitando grandes discussões na doutrina jurídico-laboral.

2.0.O TELETRABALHO SEGUNDO A DOUTRINA
Segundo já dito, a doutrina laboral não encontrou ainda uma definição consensual de teletrabalho, assim que tanto juristas, como economistas, sociólogos, engenheiros, etc., vêm concedendo-lhe conceituação própria, a partir de diferentes visões, "ninguna universalmente aceptada como definitiva" [09].
Ensina JAVIER THIBAULT ARANDA que Jack Nilles [10] foi o primeiro em utilizar o termo, definindo-lhe como "cualquier forma de sustitución de desplazamientos relacionados con la actividad laboral por tecnologías de la información" [11]. Para o estudioso espanhol, menos engenhosa, porém mais interessante do que esta, foi a definição dada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), isto é, a "forma de trabajo efectuada en un lugar alejado de la oficina central o del centro de producción y que implica una nueva tecnología que permite la separación y facilita la comunicación" [12]. Já para o grupo de expertos da Comissão Européia y da Fundação Européia para a Melhora das Condições de Vida e Trabalho, teletrabalho:
"es cualquier forma de trabajo desarrollada por cuenta de un empresario o un cliente, por un trabajador dependiente, un trabajador autónomo o un trabajador a domicilio, y efectuada regularmente y durante una parte importante del tiempo de trabajo desde uno o más lugares distintos del puesto de trabajo tradicional, utilizando tecnologías y/o de telecomunicaciones" . [13]
Por sua vez, disse WILFREDO SANGUINETI RAYMOND que:
"Este es un tipo singular de trabajo a distancia, propio de labores de cualificación media o alta, en que la dirección y el control de directos sobre el teletrabajador son sustituidos por la comunicación con este a través de medios informáticos o audiovisuales. El trabajador desarrolla así su prestación fuera de la empresa, en su domicilio u otro lugar normalmente elegido por él mismo, sin estar necesariamente sujeto a horario o jornada, sirviéndose de tales medios para enviar y recibir encargos." [14]
Paralelamente a esta definição, WILFREDO SANGUINETI RAYMOND também defende a conveniência de que se adote, para efeito de conceituação unitária sobre o tema, a definição de teletrabalho como e-work, ou seja, "todo trabajo (individual o coletivo) realizado fuera de la sede de una sociedad pero coordinado con ella mediante el empleo de tecnologías de la información y un enlace de comunicaciones" [15].
Portanto, o fenômeno do teletrabalho, que pode manifestar-se individual ou coletivamente, está invariavelmente associado a algumas características: a) a realização da atividade fora, e não dentro, da sede da empresa (apesar de que, conforme se verá adiante, tal atividade, se assim quisesse o empregador, bem que poderia ser realizada dentro da empresa); b) a existência de uma relação de coordenação, e não necessariamente de mando intermitente, entre empresa e teletrabalhador; e c) o emprego de tecnologias da informação, isto é, de novas tecnologias.
Chama-se atenção para o fato de que a última característica, o emprego de tecnologias de informação (e não de outras tecnologias) , é absolutamente necessária para a distinção de teletrabalho frente outras modalidades de trabalho distante do centro empresarial. Por isso, CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM suplementa que "o teletrabalho consiste, sobretudo, em produção, tratamento, distribuição, exploração e manutenção dos sistemas de informação" [16], apesar de DOMENICO DE MASI afirmar que é trabalho realizado "lejos de oficinas empresariales y de colegas, con comunicación independiente con la sede central del trabajo e con otras sedes, a través de uso intensivo de tecnologías de comunicación e información, pero que no son, necesariamente, de naturaleza informática" [17].
A despeito das inúmeras definições conceituais, observa-se uma tendência da doutrina (em especial, da nova doutrina ibérica) de unificar-se em torno da noção de teletrabalho como e-work, pois em que pese englobar atividades realizadas à distância, executadas individual ou coletivamente, limita-se a aquelas que estão intimamente associadas ao emprego e instrumentação da telemática. Sobre isso, suplementa CLÁUDIO ROBERTO CARNEIRO DE CASTRO que
"O teletrabalho só adquire o seu pleno significado quando é executado com a ajuda da telemática (ciência que trata da manipulação e utilização de informação através do computador e da telecomunicaçã o)... [18]" O Código de Trabalho Português tratando do teletrabalho em seu artigo 223, assim o define:
CTP "Art. 223: Para efeitos deste Código, considera-se teletrabalho a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa do empregador, e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação".
Já a lei italiana número 191, de junho de 1998, estabelece que é:
"el trabajo prestado por cualquier forma mediante el empleo de instrumentos telemáticos, a partir de un local diverso y distante relativamente al local de donde venía siendo habitualmente prestado". Logo se percebe uma diferenciação conceitual entre as distinções portuguesa e italiana, se comparadas com a idéia de e-work.
Em primeiro lugar, para a caracterização de teletrabalho, a lei portuguesa exige uma prestação laboral subordinada, enquanto a conceituação de e-work admite uma relação coordenada, que sói atingir um número muito maior de trabalhadores (por exemplo, os parassubordinados).
Em segundo lugar, entende-se que as expressões "habitualmente fora da empresa do empregador", utilizada pela lei portuguesa, e "local diverso y distante relativamente al local donde venía siendo habitualmente prestado", da lei italiana, se revestem diferentes da conceituação geral de e-work , já que sob este prisma não se condiciona a prestação de serviços a certa quilometragem da sede da empresa (realizada ou não com habitualidade) , apenas prevê-se prestação fora da sede empresarial, sendo frutífero destacar, para efeitos de compreensão geral do assunto, menos a distância da prestação do serviço, e mais de sua entrega final.

3.0. TELETRABALHO: SUBORDINAÇÃO, PARASSUBORDINAÇÃ O E TRABALHO AUTÔNOMO
Narra MANUEL PÉREZ PÉREZ que:
"..el empleo de nuevas tecnologías en el mercado de trabajo ha tenido como efecto una innegable transformació n del empleo subordinado en empleo autónomo éste último bajo los más diversos aspectos, y una más que evidente matización del proprio trabajo subordinado, evolucionando hacia formas que se califican de parasubordinadas (tal el teletrabajo, grupos autónomos de trabajo, etc.) queriéndose poner con ello de relieve la atenuación del grado de la dependencia, y que, sin embargo, luego es contradicho por el proprio fenómeno, ya que no se ha parado a pensar en que el poder trabajar <> del empresario no significa, ni mucho menos, no ya no estar dentro de su ámbito de organización y dirección, sino incluso subordinado: la <> con el centro de proceso de datos de la empresa, a modo de cordón umbilical, es ahora la forma bajo la que se lleva a cabo la vigilancia y la supervisión del trabajador por parte del empleador. En este sentido, se ha dicho que la informatizació n de la empresa, como instrumento de control, concede al empleador una <> mayor que la que se deriva de su poder de dirección o de su poder disciplinario.
Igualmente se ha puesto de relieve, como contrapunto a la subordinación, una mayor colaboración del trabajador o grupo de trabajadores para con su empleador, lo que tampoco significa una atenuación de la subordinación, sino sólo de una cierta subordinación, la técnica o tecnológica, por cuanto ya no importa tanto el cómo, sino sobre todo el qué y tampoco el durante cuánto sino el cuándo final. [19]"
Pelo que se observa da lição do mestre espanhol, assim como a relação comum de trabalho, a relação de teletrabalho pode apresentar-se de variadas formas, tanto em forma subordinada, como parassubordinada, bem como de trabalho autônomo. Apesar de que a distinção das modalidades constitui difícil desafio para o Direito do Trabalho, a única maneira de saber-se se o teletrabalho é prestado de forma subordinada, autonomamente ou com parassubordinaçã o é através da análise dos critérios definidores da relação de trabalho, partindo-se de casos concretos.
CHRISTIAN MARCELLO MAÑAS menciona que a natureza jurídica do teletrabalho "dependerá da forma pela qual é realizada a prestação de serviço, podendo assumir feição autônoma ou subordinada, dependendo da realidade vivenciada pelo trabalhador no ambiente empresarial ou extra-empresarial. .. [20]" Já CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM leciona que "o critério para verificar sua natureza jurídica tem como centro a existência ou não da subordinação e da avaliação dos casos concretos. [21]" Para WIFREDO SALGUINETI RAYMOND, "... lo que se trata es de establecer si, a despecho de la localización, existe de todas formas un poder de disposición del empresario sobre la actividad laboral del trabajador. [22]"
Pode acontecer que uma empresa resolva descentralizar sua estrutura organizacional mantendo, às suas expensas, um telecentro (centro operacional de telemática à distância) operado por trabalhadores que laboram em jornadas fixas, sob intensa fiscalização de computadores on-line, seguindo ordens expressas do centro empresarial, e em função do que recebem contraprestaçõ es pecuniárias mensais. Não há dúvida de que se está aí mantendo relações de trabalho subordinadas, razão pela qual devem receber os respectivos teletrabalhadores tratamento similar concedido aos trabalhadores em geral [23].
Porém, pode ser que uma empresa opte por desconcentrar- se celebrando contrato civil com outra empresa especializada em manutenção de softwares, que, apesar de desenvolver seus trabalhos telemáticos à distância, o faz através de seus próprios trabalhadores (todos domiciliados em sua própria estrutura profissional) , segundo escala e padrão de serviços por ela escolhidos e dirigidos. Está-se aí diante de uma relação tipicamente comercial, não havendo como falar-se de relação jurídico-laboral direta entre os trabalhadores da empresa contratada e da empresa principal, apesar de poder existir, a depender dos ordenamentos jurídicos, alguma relação de responsabilidade subsidiária e/ou solidária quanto às dívidas, riscos laborais, etc.
Outrossim, pode ser que uma empresa descentralize- se optando por manter contrato de assistência técnica de softwares com uma pessoa (ou grupo de pessoas), que apesar de contratada como autônoma, desenvolvem sua atividade única e exclusivamente em função de tal empresa, inclusive retirando daquela seu sustento. Pois aí se vê uma situação atípica em que, para efeitos jurídicos, o trabalhador é considerado como autônomo, enquanto que, no dia-a-dia, depende economicamente de uma só empresa, justamente da que lhe contratou. Este trabalhador, na prática, é um parassubordinado, e não obstante boa parte dos ordenamentos jurídicos assim não preverem, deveria assim ser reconhecido, para fins de gozar da proteção do Direito do Trabalho, pelo menos na aquisição de alguns direitos trabalhistas e previdenciários básicos como, p. ex., limite de jornada, férias, salários extras, licença maternidade e/ou paternidade, auxílio doença, seguro-desemprego, além de indenização em caso de extinção contratual, direito à filiação e assistência sindical e de submissão de seus conflitos à jurisdição laboral.
Sobre o tema, MANUEL CARLOS PALOMEQUE LÓPEZ ensina que:
"La exclusión tradicional del trabajo autónomo del ámbito de aplicación del Derecho del Trabajo se explica, así, a partir de la posición marginal o desplazada (no central o representativa) que la institución ha ocupado dentro del funcionamiento del sistema industrial de producción de bienes y servicios y, en consecuencia, de la estructura de su conflicto social paradigmático" [24]. De fato, nota-se que há razoabilidade na exclusão inicial da relação de trabalho autônoma do âmbito de competência do Direito do Trabalho, porquanto uma das principais razões para a criação da disciplina jurídica [25] foi o empenho em encontrar o apaziguamento social através da mediação de conflitos derivados de uma relação de trabalho subordinada ou por conta alheia, o que por óbvio não poderia incluir a relação de trabalho autônoma ou por conta própria, por ausência do elemento essencial da dependência jurídica. Explica MANUEL CARLOS PALOMEQUE LÓPEZ que:
"La actividad económica del modelo de referencia ha descansado generalizadamente sobre la relación de intercambio de trabajo dependiente por salario, esto es, sobre la prestación masiva de trabajo por cuenta ajena, por lo que el conflicto social generado en su seno (no uno más de una sociedad abierta e compleja, sino la contradicción matriz de la sociedad industrial) y la necesidad de su disciplina o integración se han erigido en el punto de mira y en la razón de ser, respectivamente, del ordenamiento jurídico-laboral" [26]. Porém, como sói acontecer com todas as relações sociais, o mundo do trabalho tem recebido os reflexos das transformações políticas e econômicas que atravessam o mundo, de sorte que do mesmo modo que a relação de trabalho subordinada não guarda mais a mesma identidade que possuía quando impulsionou a criação do Direito do Trabalho – há muito o modelo fordista não é mais um referencial de relação obreira –, do mesmo modo também o trabalho autônomo já não guarda idêntica personalidade daquela que ostentava nos primórdios do direito laboral. Mais uma vez, aponta MANUEL CARLOS PALOMEQUE LÓPEZ:
"El incremento paulatino de la significación económica de las diversas expresiones del trabajo autónomo dentro del sistema de producción actual (paralelo, por lo demás, a la crisis del empleo, o de determinadas formas del mismo), así como el creciente proceso de proletarizació n (de asimilación a los estándares de vida y trabajo de los asalariados) de los trabajadores que se ocupan en estas formas de actividad, se encuentran, sin embargo, en el origen de la preocupación de los poderes públicos por la protección social de estas personas. [27]" Em resumo, a proletarização da atividade autônoma vem gerando efeitos outrora inimagináveis, como, por exemplo, a criação de um segmento de trabalhadores que, apesar de tidos como autônomos, dependem de um empregador, se nem tanto juridicamente, pelo menos economicamente. A estes trabalhadores - que são hipossuficientes econômicos tanto como os obreiros subordinados - o Estado não pode deixar de estender sua tutela laboral. Por isso, afirma MANUEL CARLOS PALOMEQUE LÓPEZ que:
La defensa de una extensión (siempre parcial y limitada por la naturaleza de las cosas) de las normas laborales a los trabajadores autónomos tiene su plena justificación, a fin de cuentas, lejos de drásticas exigencias dogmáticas de renovación institucional, en el despliegue de la propia función integradora (y de legitimación social) del Derecho del Trabajo, esta vez en relación con personas y actividades que, no siendo aquellas que siguen definiendo el supuesto tipo de regulación (los protagonistas de la relación intercambio cuyo conflicto de intereses es objeto de consideración) , son, sin embargo, perfectamente asimilables a estos propósitos al ámbito institucional del trabajo asalariado.
La búsqueda de un marco jurídico-laboral al trabajo autónomo se relaciona así, e último término, con la preocupación por garantizar a estos trabajadores niveles de protección social semejantes a los trabajadores asalariados. [28]"
A insistência em mencionar os comentários do catedrático salmantino tem razão de ser, na medida em que foram fundamentais para o convencimento do legislador espanhol na instituição da Lei n. 20/2007, de 11 de julho, conhecida no país ibérico como Estatuto del Trabajo Autónomo [29], especialmente dedicada a "las personas físicas que realicen de forma habitual, personal, directa, por cuenta propia y fuera del ámbito de dirección y organización de otra persona, una actividad económica o profesional a título lucrativo, den o no ocupación a trabajadores por cuenta ajena" [30]. E, também, "a los trabajos, realizados de forma habitual, por familiares de las personas definidas en el párrafo anterior que no tengan la condición de trabajadores por cuenta ajena" [31].
O estatuto inclui dentro de seu alcance legal, sempre que cumpram os requisitos ali estabelecidos: a) os sócios industriais de sociedades regulares coletivas e de sociedades comanditárias; b) os participantes de comunidades de bens e os sócios de sociedades civis irregulares, salvo que sua atividade se limite à mera administração dos bens postos em comum; c) aqueles que exercem funções de direção e gerência que suporta o desempenho do cargo de conselheiro ou administrador, ou emprestem outros serviços para uma sociedade mercantil capitalista, a título lucrativo e de forma habitual, pessoal e direta, quando possuírem o controle efetivo, direto ou indireto daquela; d) os trabalhadores autônomos economicamente dependentes; e) qualquer outra pessoa que cumpra os requisitos estabelecidos no art. 1.1, da mesma lei; f) os trabalhadores autônomos estrangeiros, desde que reúnam os requisitos da lei 04/2000, de 11 de janeiro.
Para efeitos do presente estudo não interessa aprofundar-se na análise geral do Estatuto del Trabajo Autónomo, sendo importante destacar, no entanto, que, em suma, a lei prevê como direitos gerais dos trabalhadores autônomos: o direito a igualdade e a não discriminação; o direito à conciliação da vida profissional e familiar; a proteção dos menores de 16 anos; o direito à saúde e segurança no trabalho; o direito a garantias econômicas para a cobrança de suas retribuições, especialmente quando trabalharem para terceirizados; direito à imunidade residencial frente a dívidas fiscais e de seguridade social; direito de contratar os filhos menores de 30 anos como trabalhadores de empresa familiar. [32]
Em outra senda, especificamente para os trabalhadores autônomos economicamente dependentes (parassubordinados) [33], assim entendidos como aqueles que realizam atividade econômica para uma empresa da qual percebam, pelo menos, 75% de sua fatura, estabelece os seguintes direitos: um mínimo de 18 dias trabalhados de férias ao ano; direito a descanso semanal e feriados sujeito à acordo entre as partes; proteção contra jornada excessiva de modo a conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar; direito à indenização em caso de extinção contratual (a ser previamente estabelecida em contrato individual ou acordo de interesse profissional) ; direito de proteção à trabalhadora autônoma economicamente dependente vítima de violência de gênero; direito à submissão de seus conflitos ao juízo laboral; e direito de negociação conjunta para efeito de estabelecimento de suas condições de trabalho mediante "Acuerdos de Interés Profesional". Além disso, estabelece os seguintes direitos coletivos: direito de criar associações de autônomos, assim como de filiar-se a sindicato de seu interesse; direito das associações e dos sindicatos de defenderem e promoverem seus interesses econômicos e sociais; direito de participarem na definição das políticas públicas que lhes afetem, de administrarem programas públicos que lhes sejam dirigidos, e de serem representados no Conselho do Trabalho Autônomo. [34]
A título de proteção social, o Estatuto estabeleceu os seguintes direitos: direito de afastamento do trabalho por razão de doença; direito dos autônomos dependentes que trabalham em setores com maior risco laboral de receberem proteção em caso de acidente de trabalho, de acidente no trajeto casa-trabalho e proteção contra doença profissional; previsão de estabelecimento de prestação de seguro-desemprego para proteção dos autônomos em situações de desemprego alheias à sua vontade; direito de aposentadoria antecipada para os autônomos que desenvolvem trabalhos perigosos, para os que tenham certa idade e não encontrem trabalho depois do recebimento da prestação de seguro-desemprego, assim como para as pessoas com deficiência física que realizem trabalho autônomo; Licença paternidade, e direitos específicos de proteção à maternidade, proteção contra os riscos durante a gravidez ou durante o período de lactancia, voltados às trabalhadoras autônomas. [35]
Por fim, como política de fomento ao emprego autônomo, estabeleceu: redução e bonificação de cotas de Seguridade Social para jovens até 30 anos e mulheres até 35 anos, que iniciem suas atividades como autônomos (30% durante 30 meses); promoção à cultura empreendedora; apoio ao financiamento de projetos de investimento; ajuda a processos de inovação tecnológica e organizativa, acesso à formação profissional, adequação da política fiscal visando favorecer o trabalho autônomo [36].
A despeito do avanço jurídico espanhol na regulação do tema, boa parte dos ordenamentos jurídicos – o brasileiro é um deles – parece continuar ignorando que a natureza do trabalho autônomo tenha se modificado no curso dos anos, e que, hoje, existem trabalhadores que, embora autônomos, são economicamente dependentes de alguém. O impasse tem peculiar relevo para o estudo do teletrabalho porque este modelo de contratação laboral à distância não raras vezes utiliza-se da mão-de-obra pseudo-autônoma.
Na verdade, as inúmeras interpretações sobre a natureza jurídica do teletrabalho e o vazio legal sobre o tema, constantemente têm dado margem para o falseamento das relações laborais estabelecidas à distância, especialmente quando contratadas em países onde a tutela obreira é menos rígida. Não seria incorreto presumir que parte significativa dos empresários que se utiliza do teletrabalho, na atualidade, assim o faz de forma fraudulenta, visando alcançar maiores dividendos com a redução de custos operada pelo binômio descentralizaçã o produtiva e alheamento frente os riscos terceirizados do trabalho. CHRISTIAN MARCELLO MAÑAS adverte que:
"Quando a autonomia estiver presente na prestação dos serviços, assumindo o autônomo os riscos de sua atividade e do empreendimento, não será de emprego a relação havida entre as partes. Porém, deve-se ter em mente que o teletrabalho poderá ser um instrumento utilizado pelas empresas –em decorrência da reengenharia ou downsizing- com o intuito de fraudar direitos dos trabalhadores, simulando contratos autônomos, além da sonegação fiscal" [37]. Ora, tendo-se em vista tal constatação, resta evidente que já é passada a hora de estabelecer- se regulação definitiva sobre o teletrabalho, se não se quer que o mesmo venha a se confirmar como antônimo de proteção trabalhista. Apesar de que na Europa já existe um Acordo Marco para orientar a celebração de relações de teletrabalho, a situação ainda é precária em muitos rincões do planeta - o Brasil é um deles -, onde a abordagem do tema ainda se dá de modo relativamente discreto.

4.0. O ACORDO MARCO EUROPEU SOBRE TELETRABALHO
O Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, subscrito em 16 de julho de 2002, pela comissão européia convidada pelo Conselho Europeu para tratar do assunto conjuntamente com interlocutores sociais, estabelece um marco geral sobre teletrabalho à escala européia. Apesar de ser de adesão voluntária para os estados membros da Comunidade, tem sido utilizado por vários países europeus, assim como por entidades de representação trabalhista e patronal, como vértice para o estabelecimento de relações de teletrabalho.
Pelo Acordo, teletrabalho é definido como
"una forma de organización y/o de realización del trabajo, utilizando las tecnologías de la información en el marco de un contrato o de una relación de trabajo, en la cual un trabajo que podría ser realizado igualmente en los locales de la empresa se efectúa fuera de estos locales de forma regular. [38]" Assim, para efeitos de orientação, teletrabalhador é a pessoa que exerce o teletrabalho nos moldes do parágrafo destacado, ou seja, que está vinculado a uma empresa em relação marcada pela subordinação jurídica, exercendo um trabalho de forma regular, que bem poderia ser exercido nas dependências empresariais. Por isso mesmo, o Acordo trata de destacar que, naquilo que se refere às condições de emprego, "los teletrabajadores se benefician de los mismos derechos, garantizados por la legislación y los convenios colectivos aplicables, que los trabajadores comparables en los locales de la empresa" [39], podendo haver acordos específicos complementares em razão das particularidades de cada relação laboral.
Pelo Acordo, a configuração da relação de teletrabalho deverá respeitar a vontade individual tanto do empregado como do empregador, e, uma vez ajustada, deverá ser sucedida pela entrega ao teletrabalhador de "toda la información escrita relevante…, que incluye la información sobre los convenios colectivos aplicables, una descripción del trabajo que hay que realizar, etc" [40]. Igualmente:
"el paso a teletrabajo como tal, puesto que sólo modifica la forma en que se realiza el trabajo, no afecta a la situación de empleo del trabajador. La negativa de un empleado a teletrabajar no es, en sí, un motivo de rescisión de la relación laboral ni de modificación de las condiciones de trabajo de este trabajador" [41]. Nesta mesma senda, o Acordo Marco prevê a condição de reversibilidade da relação de teletrabalho:
"Si el teletrabajo no forma parte de la descripción inicial del puesto, la decisión de pasar a teletrabajo es reversible por acuerdo individual o colectivo. La reversibilidad puede implicar una vuelta al trabajo en los locales de la empresa a demanda del trabajador o del empresario" [42]. Pelo Acordo, o empregador "es responsable de adoptar las medidas adecuadas, especialmente respeto al software, para garantizar la protección de los datos usados y procesados por el teletrabajador con fines profesionales" [43]. O empregador também é obrigado a respeitar a vida privada do empregado, e, se decidir adotar algum tipo de sistema vigilância para o ambiente de trabalho, deverá cuidar para que seja proporcional ao objetivo demandado. [44] Também será de responsabilidade do empregador o reembolso dos custos referentes a todo equipamento utilizado pelo empregado, sendo dever deste responsabilizar- se pelo seu bom manuseio e guarda. Neste diapasão, o empregado também se obriga a não difundir material ilícito via internet [45].
O empregador é responsável pelo amparo da saúde e segurança profissional do teletrabalhador, devendo informá-lo sobre a política empresarial em matéria de saúde e segurança no trabalho. Por sua vez, o teletrabalhador se obriga a aplicar tais políticas corretamente [46].
O Acordo Marco não descuida de esclarecer que a organização do tempo de trabalho do teletrabalhador deverá ser administrada por ele próprio, e que sua carga de trabalho e os critérios de resultados deverão ser equivalentes aos dos trabalhadores comparáveis nos locais do empregador. Ao empregador caberá tomar medidas para evitar o isolamento do teletrabalhador, devendo gerar-lhe oportunidades para encontrar-se regularmente com os colegas da sede empresarial [47].
Os teletrabalhadores deverão receber formação adequada e ter as mesmas possibilidades de acesso à formação e de carreira que outros trabalhadores comparáveis no local do empregador, estando igualmente sujeitos às mesmas regras de avaliação profissional [48].
Por fim, é garantida aos teletrabalhadores igualdade de direitos coletivos aplicada a outros trabalhadores nos locais da empresa, não se podendo colocar dificuldades à comunicação dos mesmos com seus representantes. Os teletrabalhadores se sujeitarão às mesmas condições de participação e elegibilidade que outros trabalhadores, para todos os fins. A representação dos trabalhadores deverá ser informada e consultada sobre a introdução do regime de teletrabalho [49].
Consoante dito no início do capítulo, o Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho vem sendo utilizado por vários países da Europa, bem como por entidades de representação patronais e de trabalhadores, como vértice para o estabelecimento de relações de teletrabalho. Na Espanha, por exemplo, onde algumas convenções coletivas já regulavam o teletrabalho antes mesmo da subscrição do Acordo Marco Europeu [50], o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2003 [51] reconheceu o Acordo Marco como um meio de modernização para as empresas, e um meio de conciliação da vida profissional e pessoal para os trabalhadores, que usufruirão de maior autonomia para a realização de suas tarefas. Ressaltou, também, a importância de difundir os termos do Acordo em debates e seminários, enfatizando suas características de voluntarismo para os contratantes, reversibilidade e de igualdade do teletrabalho relativamente às condições dos demais empregados do local do empregador, bem como destacou a necessidade de promover a adaptação de seu conteúdo à realidade espanhola, a fim de promover uma utilização favorável tanto para a empresa como para os trabalhadores, verbis:
Capítulo VIII: "Las Organizaciones Empresariales y Sindicales firmantes nos comprometemos durante la vigencia de este Acuerdo a promover la adaptación y el desarrollo de su contenido a la realidad española, teniendo especialmente en cuenta aquellos ámbitos en los que puede existir más interés, de manera que se impulse una mayor y adecuada utilización del teletrabajo, favorable tanto a las empresas
como a los trabajadores. ".
Já o Acuerdo Interconfederal para la Negociación Colectiva de 2005 voltou a destacar as características voluntarista e de reversibilidade do teletrabalho, tanto para o trabalhador como para a empresa, de igualdade de direitos dos teletrabalhadores em relação aos trabalhadores do local do empregador e a conveniência de se regular sobre aspectos relacionados à privacidade, confidencialidade, prevenção de riscos, instalações, equipes, formação, etc.
Não custa ressaltar que, na Espanha, apesar das recomendações do Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho, o Ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales (atual Ministerio de Trabajo e Inmigración) já emitiu Nota Técnica de Prevenção sobre o Teletrabalho, de número 412 [52], que aborda a questão oferecendo marco y recomendações para a implantação do mesmo, além de indicar outros aspectos.

5.0. TELETRABALHO E TRABALHO A DOMICILIO
O trabalho a domicílio tem sido identificado pela doutrina como precursor histórico do teletrabalho, sendo verdade que ambas as modalidades são espécies próprias do gênero trabalho à distância. Entretanto, apesar do teletrabalhador poder laborar em sua residência, ambas as categorias de trabalho não se confundem.
Segundo a literatura laboral, o trabalho a domicílio é uma das formas mais antigas existentes de trabalho subordinado, que remonta ao período pré-industrial, isto é, às origens do trabalho assalariado. Ocorre quando o operário trabalha em seu lar, ou em outro lugar que escolha, distinto da sede da empresa, mas executa suas atividades em função e sob a subordinação do empregador. EVARISTO DE MORAES FILHO conceitua o trabalho a domicílio como sendo:
"o que realiza o operário, habitual ou profissionalmente, em sua própria habitação ou em local por ele escolhido, longe da vigilância direta do empregador, ou em oficina de família, com auxílio dos parentes aí residentes ou algum trabalhador externo, sempre que o faça por conta e sob a direção de um patrão" [53]. Apesar de que a característica de subordinação jurídica se observa claramente na definição de trabalho a domicílio, as dificuldades que a prática oferece à configuração daquele tipo de trabalho fizeram com que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) promulgasse, em 04.06.1996, a Convenção 177 sobre o mesmo. A normativa estabeleceu, em seu artigo 1º [54], a3, que a condição de trabalhador a domicílio pode existir
"independientemente de quién proporcione el equipo, los materiales u otros elementos utilizados para ello, a menos que esa persona tenga el grado de autonomía y de independencia económica necesario para ser considerada como trabajador independiente. " Por sua vez, o artigo 4º [55], seguinte, estipulou que a política nacional (dos países signatários) deverá promover a igualdade entre trabalhadores a domicílio e demais trabalhadores assalariados, levando-se em conta as características do trabalho a domicílio e, quando possível, as condições aplicáveis a um tipo de trabalho idêntico ou similar, tendo em mente que tal igualdade de trato deverá será fomentada respeitando- se:
a) "el derecho de los trabajadores a domicilio a constituir o a afiliarse a las organizaciones que escojan y a participar en sus actividades;
b)a protección de la discriminació n en el empleo y en la ocupación;
c)la protección en materia de seguridad y salud en el trabajo;
d)la remuneración;
e)la protección por regímenes legales de seguridad social;
f)el acceso a la formación;
g)la edad mínima de admisión al empleo o al trabajo;
h)la protección de la maternidad".
No Brasil, mão muito distintamente das orientações da OIT, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 6º, estabelece que "não se distingue entre o trabalho realizado no domicílio do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego". Por sua vez, o artigo 83 dispõe que "é devido o salário mínimo ao trabalhador em domicílio, considerado este como o executado na habitação do empregado ou em oficina de família, por conta de empregador que o remunere".
Na Espanha, as previsões legais também não guardam conteúdos muito diferentes. O artigo 13.1 do Estatuto de los Trabajadores estabelece que terá a consideração de contrato de trabalho a domicilio "aquel en que la prestación de la actividad laboral se realice en el domicilio del trabajador o en lugar libremente elegido por éste y sin vigilancia del empresario". Já os incisos 3 e 5 do mesmo artigo prevêem, respectivamente, que "el salario, cualquiera que sea la forma de su fijación, será, como mínimo, igual al de un trabajador de categoría profesional equivalente en el sector económico de que se trate" e que "los trabajadores a domicilio podrán ejercer los derechos de representació n colectiva... , salvo que se trate de un grupo familiar".
Se por um lado a subordinação jurídica é uma característica da relação de trabalho a domicílio, a mesma também pode qualificar a relação de teletrabalho, segundo a definição, por exemplo, do Acordo Marco Europeu sobre Teletrabalho. Entretanto, apesar das semelhanças, há substanciais diferenças entre uma modalidade e outra de trabalho.
Para começar, o teletrabalho pode ser realizado em qualquer local desde que fora do centro empresarial, embora ali pudesse ser exercido regularmente, se assim quisesse o empregador. Tal possibilidade não se encontra nas hipóteses gerais de trabalho a domicílio, onde o trabalho dificilmente seria realizado, salvo se na moradia do empregado ou em lugar por ele livremente escolhido.
Em segundo lugar, consonante já dito, a utilização de tecnologias de informação, com enlace de comunicação, será sempre imprescindível para a configuração do teletrabalho, embora isso não seja exigência à configuração do trabalho a domicílio da legislação trabalhista, cujas atividades derivadas não costumam envolver extrema complexidade.
Em verdade, a doutrina também diverge quanto às diferenças entre teletrabalho e trabalho a domicílio, sendo unânime, porém, quanto ao uso dos meios tecnológicos requeridos pela nova modalidade trabalhista. Para WILFREDO SANGUINETI RAYMOND:
"Frente al trabajo a domicilio, las novedades que introduce el teletrabajo son dos: a) la extensión del fenómeno a sectores y a tareas más complejas que las manuales de antaño (tratamiento, transmisión y acumulación de información; investigación y desarrollo; asistencia técnica, consultoría y auditoría; gestión de recursos; ventas y operaciones mercantiles en general; diseño, periodismo y traducción, etc.) y b) empleo de las nuevas tecnologías como medio de interconexión" [56]. Porém, apesar da doutrina falar de "renacimiento del trabajo a domicilio [57]" ou de retorno de "formas arcaicas de empleo de mano de obra [58]", entende-se que o máximo que se de pode dizer de identidade entre as duas modalidades de trabalho subordinado é que, assim como anunciado acima, teletrabalho e trabalho a domicilio são espécies distintas do mesmo gênero trabalho à distância, e que a nova modalidade teve naquela primeira, de origem pré-industrial, um antecedente de ordem histórica.
Uma hipótese remota, mas provável, é a configuração do teletrabalho a domicilio. Esclarece RAMÓN SELLAS I BENVIGUT que:
"..el contrato de trabajo a domicilio, como el de teletrabajo a domicilio, al igual que cualquier otro tipo de prestación laboral, podrá serlos por tiempo indefinido o de duración determinada. .. según que las labores sean de naturaleza permanente o temporal, incluso en sistema de trabajo temporales – teletrabajo temporal (...) [59]." Sobre o assunto, CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM [60] narra em sua obra, experiência brasileira em que uma empresa de elaboração e assistência técnica de softwares descentralizou seu centro de serviços e contratou seis empregados para laborarem em suas próprias residências, com jornadas pré-estipuladas e remunerações fixas, concedendo-lhes, por sua conta, todos os equipamentos necessários à execução das tarefas. Assim mesmo a autora observa que a situação jurídica dos contratados é frágil e se baseia em critério de confiança, já que nada impede que recorram ao Poder Judiciário para reivindicar horas extras, reembolso de custos como aluguel, telefone, energia elétrica e pagamento de royalities.

6.0. OS PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DO TELETRABALHO
Não há consenso em relação à enumeração exata dos pontos positivos e negativos do teletrabalho, mas há unanimidade em afirmar-se que existem vantagens e desvantagens desta forma laboral para trabalhadores, empregadores e para o governo.
CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM [61], por exemplo, enumera como pontos positivos para os trabalhadores: a) o aumento de seu tempo livre, devido à diminuição do tempo gasto com o trajeto casa-empresa/ empresa-casa; b) a flexibilidade na organização do tempo de trabalho, que respeitará o biorritmo do trabalhador; c) a flexibilidade no local de trabalho; d) a redução de custos com transportes e combustíveis; e) a ampliação de seu tempo de convivência com amigos, familiares e comunidade onde vive; f) mais oportunidades de trabalho para portadores de deficiência física; g) integração de portadores de imunodeficiência e enfermidades infecto-contagiosas , pessoas que habitualmente sofrem grandes discriminações em seus locais de trabalho; h) maiores possibilidades de inclusão no mercado de trabalho, de mulheres, de trabalhadores que precisam cuidar de filhos, de pessoas doentes ou de pessoas que estejam sub seus cuidados.
Já para os empresários, citada autora enumera os seguintes benefícios: a) mais flexibilidade na organização e na administração da empresa e sua mão-de-obra; b) redução de custos com infra-estrutura, mobiliários, transporte e mão-de-obra; c) mais motivação e produtividade dos empregados; d) redução dos níveis de hierarquia intermediária, possibilitando a conservação de pessoal mais qualificado oferecendo-lhe melhores vantagens de localização; e) trabalho em tempo real com pessoas de qualquer parte do mundo; f) possibilidade de contratação de mão-de-obra mais barata, permanecendo a empresa em seu país de origem, trabalho off shore.
Por fim, seriam vantagens para o governo: a) redução de problemas com transportes, principalmente nos horários de pico; b) redução de índices de poluição; c) redução com custos de combustíveis; d) melhor organização do território; e) promoção do desenvolvimento dos subúrbios e das regiões rurais; f) inclusão social de portadores de deficiência física, velhos, portadores de imunodeficiência e de enfermidades infecto-contagiosas .
Na verdade, a prática comprova que nem todas possíveis vantagens de fato se transformam em pontos positivos para os trabalhadores. A própria autora admite que de uma relação de teletrabalho podem-se derivar inúmeros prejuízos para os obreiros como, p. ex., diminuição do tempo livre, isolamento social, impossibilidade de separação da vida profissional da vida privada, menos ajuda na execução das tarefas, menores possibilidades de ascensão na carreira, etc.
Mas, além disso, outros efeitos enumerados pela autora como vantagens obreiras mereciam ter sido interpretados como desvantagens, pois, apesar da aparência positiva, nada mais são do que meios de difusão discriminatória. Por exemplo, a assertiva de que o teletrabalho é bom porque contribui com a inclusão de pessoas portadoras de deficiências físicas, imunodeficiência, e enfermidades infectocontagiosas é questionável, já que, na verdade, tais pessoas deveriam ter no teletrabalho uma via alternativa, e, não, substitutiva do mercado formal.
Por outro lado, se é verdade que o trabalhador estará economizando custos com transportes e combustíveis, também é verdade que estará assumindo custos relacionados ao desenvolvimento do trabalho em sua própria casa, que, por lei, deveriam ser assumidos em sua totalidade pelo empresário.
Por fim, algumas supostas vantagens atribuídas aos empresários e ao governo impõem-se como suposições meramente subjetivas, como, p.ex., o fato de que o teletrabalho aumenta a motivação e a produtividade dos empregados, de que o mesmo ajuda a reduzir os índices de poluição, os custos com combustíveis, a facilitar a melhora da organização do território, a promoção do desenvolvimento dos subúrbios e das regiões rurais, e a inclusão de deficientes físicos, velhos, portadores de imunodeficiência, de enfermidades infecto-contagiosas , o que, segundo já dito, não ocorre, uma vez que tais pessoas não estariam, de fato, sendo incluídas, mas, sim, separadas do convívio social e do mercado formal de trabalho.
Mas CARLA CARRARA DA SILVA JARDIM não descuida de enumerar inúmeros pontos negativos do teletrabalho relacionados aos teletrabalhadores, os quais são relevantes ressaltar: a) a fragmentação do trabalho; b) a impossibilidade de conhecimento por parte dos teletrabalhadores do conjunto da empresa e de seu mercado; c) o controle pelo computador central da empresa através de programas de mensuração de produtividade; d) o pouco ou nenhum contato com colegas ou hierarquia, o que repercutirá em ausência de sentimento de coletividade; e) dispersão territorial dos teletrabalhadores dificultando a ação sindical; f) isolamento social; g) não separação da vida profissional da vida privada; h) tratamento salarial diferenciado; i) deficiência na proteção jurídica; j) menos oportunidades de promoção e ascensão na carreira profissional; l) "feminização" do trabalho (o que não é bom já que mulheres estariam sendo recrutadas para teletrabalhar em atividades menos qualificadas, mais padronizadas e sem perspectivas de ascensão na carreira; m) estagnação da capacidade produtiva do indivíduo já que o trabalho se torna rotineiro, mecânico e estático (digitação e tratamento de jogo de dados); n) pré-disposição para enfermidades relacionadas ao uso de videoterminal (por exemplo, o glaucoma, etc.).
Já para os empresários a autora aponta as seguintes desvantagens: a) a dificuldade para reunir o teletrabalhador; b) os aumentos de custos com equipes e telecomunicaçõ es; c) a destruição do sentido de coletividade na equipe; d) o aumento de custos de formação com teletrabalhadores; e) problemas de confidencialidade de dados; f) problemas atinentes à integridade do sistema de transferência de dados e informações; g) dificuldades no controle da prestação do teletrabalho; h) problemas relativos à prevenção e eliminação de riscos relacionados às enfermidades ligadas ao uso do videoterminal e às questões de higiene e de saúde no local do teletrabalho.
De todas as desvantagens destacadas para os trabalhadores, duas em especial, por sua complexidade, deveriam chamar a atenção dos estudiosos. Primeira, a dificuldade que o teletrabalho oferece à atuação sindical.
As constituições dos Estados democráticos não só asseguram ao trabalhador a filiação e a assistência sindical, como direito individual subjetivo, assim como, por outro lado, garantem aos próprios sindicatos a qualidade de agir como pessoa privada de interesse público, na medida em que promovem o equilíbrio social na dispare balança capital-trabalho, e na medida em que possuem programas específicos de formação e requalificação do trabalhador, recolocação no mercado de trabalho, assistência judicial, e outros serviços que auxiliam na concretização de um Estado de bem-estar social.
Por isso, uma nova modalidade de trabalho, no que pese gerar postos formais ou informais de emprego, evidentemente que não pode subsistir dissociada da garantia de tutela sindical para seus trabalhadores. Não só porque o sindicato se lhes apresenta como ente protetor [62], mas porque é uma segurança intrínseca à constituição social do Estado, isto para não mencionar o fato de que a representação da categoria não é apenas um direito, mas um dever que as constituições democráticas atribuem aos sindicatos.
ÁNGEL MARTIN AGUADO sustenta que:
"Desde la perspectiva sindical no se pude admitir, que el desarrollo tecnológico en general y en concreto cualquiera de sus expresiones, como puede ser el teletrabajo, se conviertan en fuentes o medios instrumentales para avanzar en el proceso de deterioro de derechos individuales o colectivos del trabajador (…).
Tampoco pueden aceptar las organizaciones sindicales, que un número creciente de trabajadores queden fuera del marco normativo laboral o sean expulsados del mercado del trabajo, o de la red protectora de la Seguridad Social, como consecuencia de un desarrollo económico profundamente injusto y desequilibrado, y de unas prácticas empresariales tendentes a deslaboralizar o a situar fuera de la cobertura normativa las "nuevas de trabajo."(…)
La acción sindical en relación con estos trabajadores, debe tender a evitar los peligros de dispersión, aislamiento, desinformació n e individualizació n que la realización de la actividad, fuera de los centros de trabajo, puede conllevar" [63].
Não há nenhuma dúvida de que o exercício de um trabalho à distância dificulta a tutela sindical, já que estabelece um embaraço em círculo: a ausência do trabalhador no centro de trabalho concorre para que o sindicato não o conheça; não conhecendo o trabalhador o sindicato não chegará ao lugar onde trabalha; não chegando o sindicato ao lugar onde o trabalhador trabalha não disporá este de informações sobre a atuação sindical; não dispondo o trabalhador de tais informações, jamais procurará o sindicato; e não procurando o sindicato, não se tornará nunca conhecido para efeito de assistência sindical. Em resumo, o trabalho à distância, qualquer que seja ele, predispõe o trabalhador ao não gozo de defesa sindical individual e também de proteção por via da autonomia coletiva, isto é, dos acordos e convenções coletivas.
Por isso mesmo, todo trabalho incluído no gênero à distância (neste caso, o teletrabalho) deve ser regulamentado oferecendo-se garantias concretas, tanto ao trabalhador quanto ao sindicato, de acesso e conhecimento mútuo, para efeito de ação sindical (pelo lado do sindicato) e de participação na vida política do sindicato e para o gozo de sua assistência (pelo lado do trabalhador) .
Uma segunda desvantagem do teletrabalho que deveria chamar a atenção dos estudiosos, diz respeito ao seu uso indiscriminado pelas grandes empresas para fins de desobrigação laboral. Mais especificamente, no que diz respeito ao recurso ao teletrabalho justamente em países onde a tutela dos direitos trabalhistas se impõe de modo mais precário, implicando num dumping social, alternativa cruel que encontra sustentação na própria lógica individualista que move o processo de globalização econômica. Conforme aponta MARÍA JOSÉ FARIÑAS DULCE:
"… no se globalizan, y por tanto se marginan, los derechos de contenido redistributivo, es decir, los tradicionalmente denominados como derechos económicos, sociales y culturales, porque entran en confrontación directa con los intereses acumulacionistas y privatistas del neoliberalismo económico, cuyo valor supremo es la libertad de mercado y la defensa de la <> propiedad privada." [64]

7.0. TELETRABALHO, PRECARIZAÇÃO E DUMPING SOCIAL
Lamentavelmente pode-se dizer, com certa margem de certeza, que aqueles que se dedicam a estudar os fenômenos sociais adjacentes às relações de trabalho, e conhecem com relativa profundidade a realidade prática do teletrabalho, o associam a uma idéia de precarização.
Inúmeras vantagens deste modelo de trabalho à distância foram enumeradas no presente estudo, mas a imagem de sua utilização, ao invés de vincular-se a um modelo proativo de inclusão, vincula-se a tentativas escancaradas de fuga a obrigações e responsabilidades laborais, de sorte que a noção de vanguarda representada pelas tecnologias que se lhe alimentam não se estende às situações jurídico-laborais insertas em sua realidade.
Em verdade, encobertos pelo manto protetor da suposta ampliação de postos de trabalho promovida pelo teletrabalho estão mulheres avidamente exploradas, parassubordinados "sem direito" a direitos, falsos autônomos, etc. Além disso, como já dito, o dumping social provocado pelo teletrabalho, especialmente pela contratação precária de teletrabalhadores em países cujas tutelas laborais não são devidamente eficazes constitui, possivelmente, um dos principais desafios do Direito do Trabalho contemporâneo. Adverte WILFREDO SANGUINETI RAYMOND que:
"La utilización de las posibilidades abiertas por el desarrollo de la informática y la telemática para facilitar el desplazamiento hacia destinos menos exigentes laboralmente de numerosas actividades relacionadas con el tratamiento y la transmisión de información es, por lo demás, un fenómeno suficientemente documentado. [65]" Apesar de que dentro das Comunidades Européias a Convenção de Roma, de 9 outubro de 1980 [66] , atribui ao trabalhador a possibilidade de escolher entre a legislação laboral de seu país ou do país da empresa, para efeitos de submissão de seu contrato de trabalho, a verdade é que em grande parte dos países extra comunitários o Direito do Trabalho observa a globalização das empresas sem poder dizer o mesmo da globalização de suas normas tutelares. Assim, em escala general, o dumping social se impõe como produto mais do que previsível dentro da desumana e atual dinâmica de mercado. Em perspectiva que transcende o espectro do direito laboral MARÍA JOSÉ FARIÑAS DULCE recomenda que:
"deberíamos plantearnos algunas posibles alternativas, que pudieran servir de freno o de control a las desventajas que la globalización económica comporta, ya que las posibles promesas de una supuesta autorregulació n del mercado fueron ya históricamente desmentidas…
Hasta ahora, cuando se ha planteado la dimensión jurídica del proceso de globalización, siempre se ha hecho referencia a la negociación y la contratación transnacionales, que generan un tipo de contratación jurídico-mercantilis ta y pretendidamente apolítica, con sus propias reglas de reconocimiento y de validación, y que escapa a los controles democráticos internos de los Estados nacionales, con las repercusiones negativas antes señaladas. Esta es una forma de entender la <>, a saber: como el derecho económico y contractual impuesto por las empresas transnacionales, esto es –parafraseando TEUBNER-, un <> o el <>, el <> o la denominada Lex Mercatoria. (…)
(…) para contarrestar los efectos negativos de ese tipo de <>, la única posibilitad es moverse en el mismo nivel jurídico que aquél, es decir, en el campo jurídico transnacional o global, puesto que el meramente estatal-nacional y el internacional se han demostrado como insuficientes hasta el momento. Se trata, pues, de una nueva dimensión de la <>, así como de una nueva esfera jurídica de regulación. (…)" [67].
Ou seja, o que diz a professora é que para garantir um equilíbrio entre mercado e relações sociais, em níveis globais, não há como competir com a dinâmica assustadora do neoliberalismo a não ser se utilizando de mecanismos jurídicos com idêntica eficácia que os utilizados pelo mercado. Neste sentido, a autora propõe a multiplicação dos processos de integração interestatais, para efeito de se plasmar um sistema jurídico em comum, supranacional:
"En primer lugar, ha de tratarse de procesos de integración regional que no se limiten a una integración y/o cooperación económica interestatal, es decir, que no se limiten a uniones meramente comerciales, mercantilistas y privatistas, sino que comporte además u verdadero proceso de integración política, jurídica y social, capaz de generar mecanismos institucionales de integración y de cohesión social interna…
En según lugar, dicho proceso comporta necesariamente una pérdida del carácter absoluto y monolítico de la soberanía estatal, no sólo en el ámbito económico –que de facto ya se perdió hace años-, sino también en el ámbito de la coacción política y jurídica…. El papel del Estado nacional como coordinador único y soberano de la regulación social pasa necesariamente por un proceso de fragmentación, tanto interna como externa, que le conduce, en base a una equivalencia funcional, a admitir otras instancias de regulación jurídica transnacionales o locales, es decir, nuevas e inevitables formas de pluralismo jurídico…
En tercer lugar, la descentralizació n jurídica hacia instancias supranacionales ha de ser capaz de crear, bajo nuevas formas de autoridad transnacional compartida, algún tipo de mecanismos jurídicos y políticos de control y de organización del nuevo régimen mundial de acumulación financiera de capital, que se ampara en el proceso de globalización económica. De lo contrario, las nuevas fuerzas económicas y capitalistas de las empresas transnacionales (ETN) competirán entre sí –como dice ROTH-, cual <>, a sus anchas para imponer, sin ningún tipo de control, las normas de regulación social y jurídica que más les convenga a sus intereses de acumulación salvaje de capital. (…). [68]"
Ninguém contesta a injustiça criada numa mesma cadeia produtiva pela diferença de tratamento concedido aos trabalhadores do local da sede empresarial e os teletrabalhadores, em especial se estes estão localizados em outros países [69]. Esta situação de dumping social é preocupante porque corresponde a um efeito direto do modelo econômico egoísta imperante no planeta. Isso permite deduzir que se mantendo os Estados passivamente ante os fatos será impossível evitar que o mau se revista em algo ainda pior.
Sobre o assunto, alerta WILFREDO SANGUINETI RAYMOND:
"…aunque el teletrabajo y los teleservicios offshore levanta para muchos la perspectiva de que los países menos avanzados puedan desarrollar sus sectores de alta tecnología y mejorar los niveles de formación de sus trabajadores, en la práctica, con la sola excepción de la industria del software de la India, la mayor parte del empleo creado por esta vía mantiene niveles muy bajos de cualificación y ofrece por lo general a los trabajadores en él involucrados pocas oportunidades para mejorar su formación. De allí que desde instancias diversas se haya advertido de que su expansión, al socaire del avance de las nuevas tecnologías de la información y las comunicaciones, es capaz de profundizar la polarización entre las diversas regiones del planeta e incluso dar lugar a formas de colonialismo. [70]" Conforme comentado preliminarmente, as discussões sobre a injustiça praticada pelo dumping social esbarram na incapacidade tutelar do Direito do Trabalho para tornar-se eficaz além dos limites do país da sede empresarial (devido à inexistência de um "verdadeiro" Direito Internacional do Trabalho) e nos requisitos impostos pela soberania de cada Estado para recepcionar em seu ordenamento as normativas internacionais.
Com espeque no que disse MARÍA JOSÉ FARIÑAS DULCE entende-se que esta suposta incapacidade revela uma injustificável inversão de valores e uma leitura equivocada do papel do Direito do Trabalho como componente do gênero Direitos Humanos. Afinal, se a doutrina, em uma perspectiva jusnaturalista, considera que os direitos humanos são universais, inalienáveis e absolutos enquanto sistema, devendo, obviamente, gozar de máxima eficácia [71], assim também deveria considerar o Direito do Trabalho, uma vez que suas tutelas ínsitas compõem o rol da segunda geração daqueles direitos subjetivos, vinculando-se ao Estado de bem-estar social.
Ensina ANTONIO ENRIQUE PEREZ LUÑO que el "proceso de formulación positiva de los derechos humanos ha rebasado, en nuestros días, el ámbito del derecho interno para plantearse también como una exigencia del derecho internacional" [72]. Tomando-se como parâmetro a lição do grande mestre, impossível aceitar que os limites de soberania possam afetar a contemplação das necessidades gerais do gênero humano.

8.0. NOTAS FINAIS
Em razão de todo explicitado, se entende como mais do que tardia a necessidade de se regulamentar, nos mais distintos Estados (especialmente no Brasil), a relação de teletrabalho, podendo-se tomar como referência o Acordo Marco assinado na Europa, a fim de que se evite a continuidade da exploração de mão-de-obra subordinada e, em especial, a precarização provocada pelo uso desordenado da nova modalidade trabalhista.
A normatização, embora não resolva por definitivo os problemas derivados das dificuldades em se diferenciar o teletrabalho subordinado do teletrabalho autônomo, devido a suas características tangenciais, facilitará a convivência trabalhista dentro das empresas responsáveis, orientará a participação sindical na defesa dos interesses de seus filiados e ajudará ao intérprete na dissolução dos conflitos havidos nos casos concretos.
No que se refere ao dumping social praticado em países onde a tutela do Direito do Trabalho é mais frágil, importa que os estudiosos das relações trabalhistas (juristas, sociólogos, economistas, historiadores, etc.), em especial aqueles que se dedicam à análise das transformações do Direito do Trabalho, desenvolvam estudos com intuito de tornar obrigatória a demarcação de direitos mínimos que deverão ser reconhecidos a todos os trabalhadores de uma mesma empresa transnacional ou cadeia produtiva, mesmo quando localizados em países diferentes. No mesmo sentido, para obrigar os respectivos empresários a custear a formação de comitês de empresa supranacionais, compostos por delegação de trabalhadores escolhida pelos mesmos, a fim de patrocinar, em todos os âmbitos administrativos e judiciais, a defesa dos interesses de todos os obreiros da empresa ou da cadeia produtiva.
Tratando-se do teletrabalho, para fugir-se dos artifícios da globalização econômica, urge o estabelecimento de normas laborais de caráter global, que transcendam aos limites impostos pelas soberanias estatais e estendam seus tentáculos ao longo de todas as extremidades da cadeia produtiva. Só assim, segundo MARÍA JOSÉ FARIÑAS DULCE, "… la ideología –o, mejor dicho, el símbolo- de los <> volvería a desarrollar una función emancipatoria para los seres humanos frente a esta segunda <>, denominada <>", já que, do contrário, "...se seguirán generando unos derechos humanos a la medida de los intereses particulares de las relaciones capitalistas globales, amparados en la lógica del formalismo jurídico universalista y en la ideología individualista del neoliberalismo económico" [73].
No que pese não existir ainda um Direito Internacional do Trabalho verdadeiramente exigível e exeqüível, isto não significa que a humanidade não o venha a constituir, como efeito da evolução dos direitos humanos. A soberania dos Estados não pode servir de razão para justificar a depauperação das condições sociais dos povos, ou seja, o inverso dos propósitos que a boa-fé vem adotando desde fins do século XIX como condição para a proteção geral da dignidade humana.
Se JOHN LENNON podia sonhar com um mundo sem países, e dizia que isso não era difícil de realizar-se [74], por que não se pode imaginar um direito aplicável a todos, indistintamente, baseado na solidariedade como gênero universal? [75] Se os povos são mais importantes que os Estados, oxalá se faça coletivo o sonho de ANTONIO ENRIQUE PEREZ LUÑO, para quem "quizás puede llegarse por este camino a aquel Estado universal integrado por todos los pueblos del mundo (civitas gentium), que, teniendo como ley suprema la libertad, sea garantía de una paz perpetua… [76]"

ASSÉDIO MORAL NO DIREITO COMPARADO

  Sônia Mascaro Nascimento
Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela USP
1. Introdução
O constrangimento nas relações de trabalho, ou seja, o dano moral decorrente do assédio nas relações de trabalho tornou-se um sério problema enfrentado atualmente pelas empresas, trabalhadores e sindicatos.
Historicamente, as relações de trabalho tiveram, ao longo do tempo, diferentes enfoques de proteção. Primeiramente, o que se visava preservar era a própria vida do trabalhador frente às máquinas extremamente agressivas e o meio ambiente físico que a ceifavam1. Com o início da 1ª Guerra Mundial, a reivindicação passou a ser a proteção voltada para a manutenção da qualidade de vida no trabalho2. Finalmente, em 1968, a luta que mobilizou a ação sindical voltou-se para medidas preventivas da higidez mental do trabalhador3.
2. Conceito de assédio
Assédio é o termo utilizado para designar toda conduta que cause constrangimento psicológico ou físico à pessoa. Dentre suas espécies, verificamos existir pelo menos dois tipos de assédio que se distinguem pela natureza: o assédio sexual e o assédio moral.
O assédio sexual se caracteriza pela conduta de natureza sexual, a qual deve ser repetitiva, sempre repelida pela vítima e que tenha por fim constranger a pessoa em sua intimidade e privacidade.
Já o assédio moral (mobbing, bullying, harcèlement moral, manipulação perversa ou terrorismo psicológico) caracteriza- se por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o trabalhador a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções.
Assim, duas ressalvas já devem ser feitas: o assédio moral possui natureza psicológica, enquanto o outro possui natureza sexual; o assédio será aqui estudado apenas no âmbito das relações de trabalho, restringindo- se seu espectro quanto ao local dos fatos (no ambiente laboral), seu momento (durante a jornada de trabalho) e sua subjetividade (no exercício de suas funções).
3. O assédio moral
3.1. Caracterização subjetiva
Primeiramente, enfatiza-se que o assédio moral é caracterizado por uma conduta abusiva, seja do empregador que se utiliza de sua superioridade hierárquica para constranger seus subalternos, ou, seja dos empregados entre si com a finalidade de excluir alguém indesejado do grupo, o que pode se dar, aliás, muito comumente, por motivos de competição ou de discriminação pura e simples.
O primeiro fenômeno é denominado assédio vertical, bossing ou mesmo mobbing descendente, como prefere denominar o Dr. Heinz Leymann4, psicólogo e cientista médico alemão que, na década de 80, começou a estudar o fenômeno do assédio moral a partir de experiências verificadas por outros estudiosos em grupos de crianças em idade escolar que tinham comportamentos hostis, cujas manifestações começaram a ser percebidas, vinte anos depois, no ambiente de trabalho.
Assim, o que se verifica no assédio vertical é a utilização do poder de chefia para fins de verdadeiro abuso de direito do poder diretivo e disciplinar, bem como para esquivar-se de conseqüências trabalhistas. Tal é o exemplo do empregador que, para não ter que arcar com as despesas de uma dispensa imotivada de um funcionário, tenta convencê-lo a demitir-se ou cria situações constrangedoras, como retirar sua autonomia no departamento, transferir todas suas atividades a outras pessoas, isolá-lo do ambiente, para que o empregado sinta-se de algum modo culpado pela situação, pedindo sua demissão.
Além dessa espécie de assédio, há o fenômeno denominado como assédio horizontal que é percebido entre os próprios colegas de trabalho que, motivados pela inveja do trabalho muito apreciado do outro colega, o qual pode vir a receber uma promoção, ou ainda pela mera discriminação motivada por fatores raciais, políticos, religiosos, etc, submetem o sujeito “incômodo” a situações de humilhação através de comentários ofensivos, boatos sobre sua vida pessoal, acusações que podem denegrir sua imagem perante a empresa, sabotando seus planos de trabalho.
Ainda são enumerados como espécie de assédio moral o mobbing combinado e o mobbing ascendente, conforme classificação do Dr. Leymann. Aquele se daria com a união, tanto do chefe, quanto dos colegas no objetivo de excluir um funcionário, enquanto o último seria o assédio praticado por um subalterno que se julga merecedor do cargo do chefe, bem como por um grupo de funcionários que quer sabotar o novo chefe, pois não o julgam tão tolerante quanto o antigo ou tão capacitado para tal cargo5.
Como bem ressalta Francisco Meton Marques de Lima6, nota-se, inicialmente, que os principais alvos do assédio moral são os empregados estáveis, como diretores de sindicato e funcionários públicos, pois a estabilidade impede que esses trabalhadores sejam dispensados sem justa causa, de modo que a tática utilizada por muitas vezes pelos administradores é a de vencer pelo cansaço. Acrescenta, ainda, os trabalhadores vítimas de acidentes do trabalho, ou de qualquer doença, pois, ao invés de readaptá-los de modo paciente e compreensivo, o empregador e colegas preferem hostilizá-lo, zombando de sua situação e criando um ambiente totalmente desagradável ao reabilitado.
3.2. Elementos
3.2.1 Natureza Psicológica
Na formulação atual, o assédio moral é concebido como uma forma de “terror psicológico” praticado pela empresa ou pelos colegas, que também é definido como “qualquer conduta imprópria que se manifeste especialmente através de comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, de colocar seu emprego em perigo ou de degradar o clima de trabalho”7, ou mesmo como “prática persistente de danos, ofensas, intimidações ou insultos, abusos de poder ou sanções disciplinares injustas que induz naquele a quem se destina sentimentos de raiva, ameaça, humilhação, vulnerabilidade que minam a confiança em si mesmo”8.
De tais conceitos, podemos depreender que o elemento comum, além da finalidade de exclusão, é a modalidade da conduta, a qual sempre se verifica agressiva e vexatória, capaz de constranger a vítima, trazendo nela sentimentos de humilhação, inferiorização, afetando essencialmente a sua auto-estima.
Como elencam MONATERI, BONA e OLIVA9, o “mobbing” pode concretizar- se de diversas formas, que, a título ilustrativo, podem ser: a marginalização do sujeito mediante a hostilidade e a não comunicação; críticas contínuas a seus atos; a difamação; a atribuição de tarefas que inferiorizam e são humilhantes ou, ao contrário, difíceis demais de cumprir, sobretudo quanto propositadamente não acompanhadas de instrumentos adequados; o comprometimento da imagem do sujeito perante seus colegas, clientes, superiores; transferências contínuas de um escritório a outro, etc.
Ainda em consonância com os doutrinadores, a importância e o mérito de se estudar um fenômeno como o assédio moral é justamente o alcance de uma definição que pode agrupar uma série de comportamentos que suas vítimas, principalmente aquelas que trabalham em empresas de médio e grande porte, notavam como sendo “algo errado”, porém pela falta de uma categoria específica desse mal, muitas vezes submetiam-se e tornavam-se cúmplices de tais práticas perversas.
A principal implicação do terrorismo psicológico é a afetação da saúde mental e física da vítima, mais comumente acometida de doenças como depressão e stress, chegando, por vezes, ao suicídio.
É justamente por ser uma forma sutil de degradação psicológica que, por muitas vezes, a tarefa mais difícil é identificar o assédio moral, pois a pessoa é envolvida em um contexto tal que é levada a pensar que é merecedora ou mesmo culpada pelas situações constrangedoras. Ultrapassada esta fase de reconhecimento do assédio, mais acessível é a fase de comprovação dele, pois, em grande parte, o processo é feito perante os demais colegas, com a exposição pública e reiterada das críticas e ofensas ao trabalho da pessoa, ainda que nem sempre de maneira escrita (como, por exemplo, afixação em mural de lista dos funcionários que não atingiram a meta mensal) e de declarada perseguição.
3.2.2. Conduta repetitiva e prolongada da conduta ofensiva ou humilhante
Um dos elementos essenciais para a caracterização do assédio moral no ambiente de trabalho é a reiteração da conduta ofensiva ou humilhante, uma vez que, sendo este fenômeno de natureza psicológica, não há de ser um ato esporádico capaz de trazer lesões psíquicas à vítima.
Como bem esclarece o acórdão proferido no TRT da 17ª Região, “a humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do assediado de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho.”10
Assim, o arco temporal deve ser suficientemente longo para que cause um impacto real e de verdadeira perseguição pelo assediador.
Em um de seus trabalhos, Dr. Leymann11 chega a quantificar um período mínimo, afirmando que “uma dificuldade relacional se torna assédio quando é praticada com uma freqüência mínima de uma vez por semana, em um período superior a 6 meses”.
Atualmente, não se fala em um tempo determinado em dias, ou meses, porém foi constatado que o assédio moral, em regra, se configura no prazo de 1 a 3 anos12, o que, porém, não deve servir de parâmetro, vez que o assédio pode ser verificado em tempo mais exíguo, dependendo do tempo que o dano levar para se instalar.
3.2.3. Finalidade
Como já se ressaltou, o objetivo principal do assédio moral é a exclusão da vítima, seja pela pressão deliberada da empresa para que o empregado se demita, aposente-se precocemente ou ainda obtenha licença para tratamento de saúde, bem como pela construção de um clima de constrangimento para que ela, por si mesma, julgue estar prejudicando a empresa ou o próprio ambiente de trabalho, pedindo para ausentar-se ou para sair definitivamente.
Nesse passo, Francisco Marques13 nos traz que uma das formas de exclusão do empregado é através do famoso PDV, ou seja, Programa de Desligamento Voluntário, pois, segundo ele, cria-se no aderente a chamada “ilusão monetária”. Acrescenta o autor que o sindicato dos bancários de São Paulo, através de uma pesquisa realizada, apontou que 90% dos funcionários que aderem ao plano se arrependem, pois a maioria o faz em virtude do terror psicológico: ameaça de demissão, de transferência para localidade distante, registrando ainda casos de depressões, separações e até suicídios entre os pedevistas.
Este é o caso que enfrentou a General Motors de São Caetano do Sul, acusada de assédio moral por duas empregadas por tê-las coagido a aderir a um programa de demissão voluntária, mantendo-as em uma sala fechada por quatro horas sob a pressão da chefia para que a adesão fosse feita14.
Devemos, no entanto, analisar cautelosamente os casos acima aventados, pois as circunstâncias apontadas, tais como medo da demissão ou da transferência, nem sempre decorrem de uma pressão de “terror” proposital da empresa, mas geralmente são angústias e expectativas inerentes a qualquer funcionário cujo empregador esteja passando por dificuldades ou que tenha facultado a adesão ao PDV, devendo ser demonstrada a ameaça ou o constrangimento, além da formação do dano psicológico.
3.2.4 - Necessidade do dano psíquico-emocional
Uma das discussões atuais sobre o tema, que foi, inclusive, levantada durante debate no 18º Congresso Brasileiro de Direito Coletivo e Individual do Trabalho15, é a questão da necessidade de existência do dano psíquico-emocional para que o assédio moral esteja configurado.
De um lado, argumenta-se que se a comprovação da existência do dano for condição para a configuração do assédio moral, será criada uma situação na qual as “vítimas” que tivessem uma estrutura psicológica mais preparada estarão desprotegidas. Desse modo, a conduta assediadora não será condenada ou coibida pelas autoridades, vez que não haveria a figura do assédio moral a ser punida. Defendeu-se, portanto, que a efetiva comprovação do dano emocional não poderia ser requisito para a configuração do assédio, pena de, indiretamente, permitir a ação assediadora com relação aos empregados emocionalmente mais resistentes.
Entretanto, devemos analisar mais detidamente a questão.
Isso porque o assédio moral é uma das formas de se configurar o dano aos direitos personalíssimos do indivíduo. Assim, um ato violador de qualquer desses direitos poderá configurar, dependendo das circunstâncias, o assédio moral, o assédio sexual ou a lesão ao direito de personalidade propriamente dita. A diferença entre eles é o modo como se verifica a lesão, bem como a gravidade do dano.
Dessa forma, teríamos o assédio moral como uma situação de violação mais grave que a “mera” lesão do direito de personalidade, eis que acarreta um dano à saúde psicológica da pessoa, à sua higidez mental, o que deve ser mais severamente repreendido pelo ordenamento.
Estudos feitos por médicos e psicólogos do trabalho mostram que o processo que desencadeia o assédio moral pode levar à total alienação do indivíduo do mundo social que o cerca, julgando-se inútil e sem forças e levando, muitas vezes, ao suicídio.
Levando isso em conta, a não configuração do assédio moral pela ausência do dano psíquico não exime o agressor da devida punição, pois a conduta será considerada como lesão à personalidade do indivíduo, ensejando o dever de indenizar o dano moral daí advindo.
Destarte, a pessoa que resiste à doença psicológica, seja por ter boa estrutura emocional, seja por ter tido o cuidado de procurar ajuda profissional de psicólogos ou psiquiatras, não será prejudicada, pois sempre restará a reparação pelo dano moral sofrido, ainda que o mesmo não resulte do assédio moral.
O que se observa é a banalização do instituto, que é quase confundido com o dano moral, ou seja, basta o empregador insultar o empregado uma vez diante dos colegas para que o Poder Judiciário condene a empresa por assédio moral.
O que se pretende é justamente delinear os limites em que o assédio moral se dá para que não haja generalização do instituto, fugindo da natureza que o criou, que é a preocupação com as doenças psicológicas nascidas nas relações de trabalho.
Nessa esteira, entendo que a configuração do assédio moral depende de prévia constatação da existência do dano, no caso, a doença psíquico-emocional. Para tanto, necessária à perícia feita por psiquiatra ou outro especialista da área para que, por meio de um laudo técnico, informe o magistrado, que não poderia chegar a tal conclusão sem uma opinião profissional, sobre a existência desse dano, inclusive fazendo a aferição do nexo causal.
Ressalto que a prova técnica para a constatação do dano deve ser produzida por perito da área médica, sem o que não há como se falar em assédio moral, eis ausente seu pressuposto essencial: o dano psicológico ou psíquico-emocional.
Para concluir esse ponto, reitero que: a) a existência do dano psíquico, emocional ou psicológico é requisito para configuração do assédio moral; b) é necessária a prova técnica do dano, que se daria por meio de laudo médico afirmando existir a doença advinda do trabalho; c) a vítima da conduta assediadora que não sofrer esse tipo específico de dano não ficará desprotegida, pois ainda poderá pleitear danos morais pela ofensa aos seus direitos de personalidade.
4 - Da Legislação Estrangeira
Ante a necessidade de regulamentação ao assédio moral no ordenamento jurídico nacional, importante realizar um estudo sobre a forma como o tema é tratado em alguns países da Europa e da América do Sul.
4.1. França
O assédio moral é regulado em um capítulo específico do Código do Trabalho francês, o qual se aplica tanto a empregados e empregadores da iniciativa privada quanto a empregados públicos, nos termos do artigo L 1151-1 do Código do Trabalho.16
O assédio moral é definido pelo artigo L 1152-1 do Código do Trabalho como a conduta repetida que tem por objetivo ou como conseqüência uma degradação das condições de trabalho suscetível de atentar contra a dignidade do trabalhador, de alterar a sua saúde física ou mental ou de comprometer o seu futuro profissional.
Conforme prevê o artigo L 1152-2 do Código do Trabalho, nenhum empregado poderá ser punido, despedido ou ser objeto de uma medida discriminatória, direta ou indireta, notadamente em matéria de remuneração, qualificação profissional, promoção ou renovação de contrato por ter sofrido ou por ter-se recusado a sofrer atos repetidos de assédio moral ou por ter testemunhado ou relatado tais fatos.
Todo ato e toda ruptura contratual praticada em violação aos supracitados artigos é nula, de acordo com o artigo L 1152-3 do Código do Trabalho. Todo empregado que pratica um ato e assédio moral é passível de sanção disciplinar, nos termos do artigo L 1152-5 do Código do Trabalho.
Registre-se também que na França o assédio moral possui repercussões na esfera penal. Nesse sentido, a prática de assédio moral (bem como de assédio sexual) é crime, previsto no artigo L 1155-2 do Código do Trabalho e punido com pena de prisão de até 1 (um) ano e multa de 3.750 (três mil setecentos e cinqüenta) Euros.
Cabe destacar que a legislação francesa estabelece e regula de modo detalhado o dever de prevenção por parte do empregador da prática do assédio moral no ambiente de trabalho.
4.2. Portugal
Em Portugal o tema do assédio moral também é regulado pela lei. O artigo 18 do Código do Trabalho português estabelece a regra geral segundo a qual o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral.17
À luz desse princípio, o artigo 24, item 1, do Código do Trabalho português considera o assédio uma forma de discriminação contra o trabalhador ou candidato a emprego. E nesse sentido o assédio moral é definido como todo comportamento indesejado relacionado à ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, patrimônio genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crônica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical e praticado quando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, nos termos do artigo 24, item 2, combinado com o artigo 23, item 1, do Código do Trabalho português.
Por ser o assédio moral uma espécie do gênero discriminação (para o Direito português), aplica-se a ele a regra prevista no artigo 23, item 3, do Código do Trabalho português, de acordo com a qual cabe a quem alegar a discriminação, fundamentá-la e indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em motivo relacionado à ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, patrimônio genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crônica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical.
Registre-se também que uma vez provada a prática do assédio resultante de ato discriminatório contra trabalhador ou candidato a emprego, a vítima terá direito a uma indenização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos do artigo 26 do Código do Trabalho português.
4.3. Espanha
Ao contrário da França, a legislação espanhola a respeito do assédio moral é bastante lacônica. O Estatuto dos Trabalhadores espanhol estabelece, em seu artigo 4, 2, “e”, terem os trabalhadores espanhóis direito ao respeito à sua intimidade e à consideração devida à sua dignidade, o que inclui a proteção frente ao assédio por razão de origem racial ou étnica, religiosa ou por convicções, por incapacidade, idade ou orientação sexual.18
Especificamente em relação às pessoas com deficiência, a Lei 51, de 2.12.2003, em seu artigo sétimo determina a adoção de medidas contra a discriminação, as quais podem consistir na proibição do assédio, definido pelo referido artigo sétimo como: “toda conduta relacionada à deficiência de uma pessoa, que tenha como objetivo ou conseqüência atentar contra sua dignidade ou criar um entorno intimidatório, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.19
Vale a pena mencionar também que a prática de assédio moral também poderá ter conseqüências penais, com fundamento no artigo 173, item 1, do Código Penal espanhol 20, o qual pune a prática de tortura e outros delitos contra a integridade moral com pena de prisão de seis meses a dois anos.
Com base na escassa legislação, o conceito de assédio moral tem sido construído principalmente pela jurisprudência espanhola, que tem definido o assédio moral nos seguintes termos:
“O “mobbing” se define como a situação em que uma pessoa ou grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema de forma sistemática e recorrente (em média uma vez por semana) durante um tempo prolongado (em media uns 6 meses) sobre outra pessoa ou pessoas sobre as quais mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua reputação, perturbar o exercício de suas funções e lograr que finalmente essa pessoa ou pessoas acabem abandonando o local de trabalho”. (Juzg. de lo Social nº 1, Bilbao, 22.3.02; STSJ Cataluña 28/11/01).21
“O “mobbing” é uma forma de assédio no trabalho em que uma pessoa ou um grupo de pessoas se comportam abusivamente com palavras, gestos ou de outro modo que atente aos empregados com a conseqüente degradação do clima laboral” (Trib. Sup. Just. Navarra, Sala de lo Social, 18.5.01)22.
A ausência de regulação legal específica do assédio moral aplicável a todos os trabalhadores não impede o seu reconhecimento e punição por parte da jurisprudência, inclusive em relação ao assédio moral praticado no setor público.
Em linha com a melhor doutrina, a jurisprudência espanhola entende que o autor do assédio moral pode ser tanto superiores hirerárquicos quanto colegas de trabalho da vítima. Ademais, registre-se ter a empresa o dever de evitar o assédio moral, como demonstram as seguintes decisões:
“Os agentes do assédio costumam ser majoritariamente chefes, ainda que também existam assediadores entre os mesmos companheiros e entre os subordinados (Juzg. de lo Social nº 36, Madrid, 29.4.03)23
“A empresa é responsável pelas atuações dos diretores em relação a seus subordinados e se, tendo conhecimento da situação de “mobbing”, nada fez para evitá-lo”. (Juzgado de lo Social nº3, Vigo, 28.02.02)24.
Uma vez caracterizado o assédio, sob a forma de desqualificaçã o e isolamento do trabalhador, e dessa forma violado o seu direito à integridade física e psicológica, a empresa pode ser condenada ao pagamento de indenização pela ruptura ilícita do contrato de trabalho que pode ser de 60.000 (sessenta mil) Euros25 chegar ao valor de 91.484 (noventa e um mil quatrocentos e oitenta e quatro) Euros, como recentemente decidido.26 Ressalte-se que a própria administração pública chegou a ser condenada a pagar uma indenização pela prática de assédio moral.27
4.4. Itália
A experiência italiana nos mostra que, apesar da ausência de uma legislação específica vedando a prática de assédio moral, é possível coibir judicialmente tal conduta através dos estudos que vêm sendo aprofundados e disseminados sobre o tema na comunidade jurídica, em especial na área do Direito do Trabalho.
Em seu artigo sobre a abordagem italiana do assédio moral28 ressaltam os autores que a importância de se incluir uma série de condutas “multiformes de comportamento” em uma definição única de mobbing, como é chamado neste país, é a de se ter um salto quantitativo na indenização, isto é, reorganiza-se a tutela compensatória do trabalhador.
De acordo com o mesmo artigo, as primeiras decisões que enfrentaram diretamente a questão do mobbing são recentes (por volta dos anos 1999/2000), pois, até então, os tribunais italianos tratavam do fenômeno sem uma visão consciente de conjunto, de modo que o que se verificava era a fragmentação das ações que hoje pode se considerar como mobbing. Assim, verificamos a ampla casuística sobre danos por desqualificaçã o e rebaixamento profissional.
Temos como exemplo a desqualificaçã o profissional reconhecida no caso em que um trabalhador, cuja função era testar pneus em pista e estrada, foi designado para o controle das reclamações de pneus, que consistia numa atividade meramente manual, totalmente destituída de responsabilidade e autonomia na execução do trabalho29.
Neste tocante, o art. 2.103 do Código Civil italiano desempenhou papel relevante, assim como as disposições combinadas dos arts. 32 Const., 2.043 e 2.103 do Código Civil, que tratam, basicamente, da responsabilidade do empregador, a qual foi amplamente reconhecida nos seguintes casos: “marginalização do empregado através da desqualificaçã o progressiva da sua atividade; variação in pejus das tarefas a cumprir; empobrecimento da bagagem profissional devido à constrição do trabalhador à inatividade; atribuição ao trabalhador de tarefas diferentes e de menor qualificação por ele pertencer a uma determinada área política (chamado de “loteamento”); pôr junto um ou mais indivíduos a fim de controlar e desvalorizar a atividade da vítima; subutilização do trabalhador em relação às funções de direito; reintegração do trabalhador ilegitimamente despedido para desempenhar funções que não correspondem à sua qualificação.”
Cita-se um caso decidido pelo Tribunal de Milão30, que hoje seria classificado como mobbing, no qual se considerou que “a designação do trabalhador para funções não condizentes com a categoria à qual pertence, que não permitem nenhum enriquecimento do patrimônio profissional nem avanços de carreira, e que, pelo contrário, determina um estado de inatividade e marginalização viola o art. 2.103 Código Civil e implica na condenação do empregador ao ressarcimento dos danos ao profissionalismo” .
A jurisprudência italiana ainda reconheceu vários casos de dano com a responsabilidade do empregador, tais como: “a transferência não justificada do trabalhador para outro escritório da empresa; a ameaça de demissão; a maquinação delituosa por parte do chefe de pessoal em detrimento do trabalhador, consistindo numa simulação de reiterada e imotivada de sanções disciplinares; a imposição de participar de um curso de auto-avaliação das aptidões profissionais a fim de gerar nos trabalhadores a convicção de serem inúteis na organização empresarial; retorno e abertura sistemáticos da correspondência endereçada à vítima; atribuição de benefícios não merecidos a indivíduos do mesmo nível da vítima; emprego excessivo do trabalhador (levando-o ao estresse); abuso de controle da doença do empregado.”
As duas sentenças do Tribunal de Turim constituem um marco na jurisprudência trabalhista italiana, pois pela primeira vez, fez-se utilização do mobbing, considerando- o como um fenômeno unitário, como categoria de responsabilidade e de dano apta a tornar mais eficaz a tutela integral da personalidade moral e da saúde dos trabalhadores.
4.5. Chile
Se por um lado a legislação chilena a respeito do assédio sexual pode ser considerada uma das mais completas do mundo, por outro ela é bastante lacônica a respeito do assédio moral. Nesse sentido, a lei não conceitua o que seja o assédio moral. O Código do Trabalho do Chile, em seu artigo 2, item 2, simplesmente estabelece que as relações de trabalho deverão sempre pautar-se por uma conduta compatível com a dignidade do ser humano.31
Com o propósito de concretizar tal regra, o artigo 153, caput, do Código do Trabalho do Chile estabelece que empresas, estabelecimentos ou unidades econômicas com mais de dez empregados devem elaborar um regulamento de empresa. Tal regulamento deverá, especialmente, conter normas que garantam um ambiente de trabalho digno e de mútuo respeito entre os trabalhadores.
Dentre as disposições obrigatórias que o regulamento interno deve ter, previstas no artigo 154 do Código do Trabalho do Chile, para fins do presente estudo destaca-se a clara definição de direitos e obrigações às quais os trabalhadores estão sujeitos. Tais obrigações, bem como as medidas de controle, somente podem ser aplicadas por meios idôneos e compatíveis com a natureza da relação de trabalho e, em todo caso, sua aplicação deverá ser geral, de forma a garantir a impessoalidade da medida, para respeitar a dignidade do trabalhador.
Outro item que poderá colaborar no combate ao assédio moral refere-se à designação dos cargos ante os quais os trabalhadores devem apresentar seus pedidos, reclamações, consultas e sugestões. De acordo com artigo 155 do Código do Trabalho do Chile, as respostas dadas pelo empregador às questões apresentadas de acordo com o procedimento previsto no regulamento interno poderão ser verbais ou mediante correspondência individual ou notas circulares. Anexa à resposta o empregador pode encaminhar documentos que a empresa estime necessários para melhor informar os trabalhadores.
A importância de informar adequadamente os empregados a respeito das condições de trabalho é reiterada no artigo 156 do Código do Trabalho, o qual prevê que os regulamentos internos e suas modificações deverão ser levados a conhecimento dos trabalhadores trinta dias antes da data de início de vigência, bem como devem ser fixados em, pelo menos, dois lugares visíveis do estabelecimento com a mesma antecedência. Deverá também ser entregue uma cópia aos sindicatos, ao delegado de pessoal e aos comitês paritários existentes na empresa. Ademais, o empregador deverá entregar gratuitamente aos trabalhadores um exemplar impresso do regulamento interno da empresa.
4.6. Colômbia
O assédio moral foi tipificado na Colômbia por meio da Lei 1010, de 23.01.2006.32 De início a referida lei, em seu artigo primeiro, parágrafo único, já exclui de seu âmbito de aplicação a contratação administrativa e os trabalhadores autônomos, de modo que se aplica apenas aos empregados e trabalhadores subordinados.
De maneira original, o artigo segundo da lei colombiana fixa um rol exemplificativo de seis modalidades gerais de assédio, quais sejam:
a) mau trato laboral: todo ato de violência contra a integridade física ou moral, a liberdade física ou sexual e os bens do empregado ou trabalhador; toda expressão verbal injuriosa ou ultrajante que lesione a integridade moral ou os direitos à intimidade e ao bom nome dos sujeitos de uma relação de trabalho ou todo comportamento tendente a diminuir a auto-estima e a dignidade dos sujeitos de uma relação de trabalho.
b) perseguição laboral: toda conduta reiterada ou evidentemente arbitrária que possui o propósito de induzir a demissão do empregado, mediante a desqualificaçã o, a carga excessiva de trabalho e mudanças permanentes de horário que podem gerar desmotivação no emprego.
c) discriminação laboral: todo tratamento diferenciado por motivo de raça, gênero, origem familiar ou nacional, credo religioso, preferência política ou situação social ou que careça de razoabilidade do ponto de vista laboral.
d) entorpecimento laboral: toda ação tendente a obstaculizar o cumprimento do trabalho ou torná-lo mais gravoso ou retardá-lo com prejuízo para o empregado. Dentre tais condutas inclui-se a privação, ocultação ou inutilização de insumos; documentos ou instrumentos para o trabalho, a destruição ou perda da informação, o ocultamento de correspondência ou mensagens eletrônicas.
e) iniqüidade laboral: designação de funções a menosprezo do trabalhador; e
f) desproteção laboral: toda conduta tendente a colocar em risco a integridade e a segurança mediante ordens ou designação de funções sem o cumprimento dos requisitos mínimos de proteção e segurança para o trabalhador.
Os artigos terceiro e quarto da lei trazem como originalidade em relação às demais legislações a respeito do tema a previsão de circunstâncias atenuantes e agravantes do assédio. Dentre as circunstâncias atenuantes destaca-se o arrependimento eficaz, após a prática do assédio. Dentre as circunstâncias agravantes inclui-se a posição predominante que o autor do assédio ocupe na sociedade por sua ilustração, poder, ofício ou dignidade.
Importante notar que, de acordo com o artigo sexto da lei, apenas se reconhece o assédio moral vertical descendente (praticado pelo superior contra alguns de seus subordinados hierárquicos) e descente (praticado pelos subordinados contra o chefe). Ou seja, o assédio moral horizontal não é coibido, o que na prática pode não proteger adequadamente o trabalhador contra essa outra forma de constrangimento ilegal.
Os artigos sétimo e oitavo da lei estabelecem, respectivamente, rols de condutas que podem e que não podem ser qualificadas como assédio. Dentre as condutas que podem ser consideradas como de assédio cite-se a desqualificaçã o das opiniões e propostas da vítima feita de modo humilhante e na presença dos companheiros de trabalho. Observe-se que todas as condutas elencadas exigem a repetição, excepecionalmente um único ato hostil poderá configurar assédio. Como exemplo de conduta que não caracteriza assédio, a lei prevê o cumprimento do regulamento interno e do contrato de trabalho. Todavia, a qualquer exigência técnica e requerimento de eficiência deverão ser fundamentados em critérios objetivos e não discriminatórios.
A importância de se criar procedimentos para prevenir e punir o assédio também está presente na lei. De acordo com o seu artigo nono, tal procedimento deve ser confidencial, conciliatório e efetivo. Onde existam, os comitês de empresa, de caráter bipartido, poderão ser os órgãos responsáveis pela apuração do assédio. A omissão em se adotar procedimentos de prevenção e punição do assédio será entendida como tolerância na prática do mesmo, nos termos do artigo 9, item 3, §2 da lei.
4.7. Grã-Bretanha
O conceito de assédio moral na Grã-Bretanha tem sido construído pela jurisprudência inglesa a partir de preceitos legais relativos à saúde e segurança ocupacional. Como ponto de partida cite-se a Lei sobre Saúde e Segurança Ocupacional de 1974. Tal lei estabelece duas obrigações importantes para o tema em estudo: os deveres de cuidado e de prover um ambiente de trabalho que, na medida do possível, seja seguro e sem riscos à saúde.33
A Lei sobre direitos individuais do trabalho e reforma sindical de 1993 protege o empregado que denuncia casos de violação a normas de saúde e segurança ocupacional contra despedida abusiva e outras formas de constrangimento. 34 A Lei sobre Justiça Criminal e Ordem Pública de 1994, pune na esfera penal o assédio intencional que cause a outrem desconforto e preocupação por meio de palavras ou comportamento ameaçadores, abusivos ou insultantes. 35
Talvez a lei mais importante a respeito do tema seja a Lei de proteção contra o assédio de 1997. A referida lei não define o que seja assédio. Ela apenas estabelece em seu artigo primeiro que fica proibida a conduta de assédio, ou a conduta que de acordo com o senso comum poderia ser considerada como assédio. Uma vez caracterizado, o assédio pode ter dois tipos de conseqüência para o autor: pena de prisão de até seis meses e/ou multa, na esfera penal; e pagamento de indenização por danos morais e materiais sofridos pela vítima, conforme prevêem, respectivamente, os artigos dois e três da lei. Registre-se também que nas demandas relativas a assédio o juiz poderá estabelecer em relação ao réu uma obrigação de não fazer a qual, se descumprida, poderá sujeitar o réu a multa e/ou prisão por até cinco anos, nos termos do artigo quinto da lei. 36
Com base nos preceitos legais supramencionados, a jurisprudência inglesa definiu os limites do assédio. Inicialmente, cabe esclarecer que, desde 1.999 danos pessoais oriundos do assédio e da discriminação devem ser julgados por uma corte trabalhista. 37
A jurisprudência inglesa tem concedido proteção legal aos trabalhadores que denunciarem a prática de assédio moral ou mesmo sexual, se tornam eles mesmos vítimas de outras formas de constrangimento ilegal.38 Em 2000, a jurisprudência estabeleceu o precedente que abriu caminho para que qualquer empregado que sofra dano psicológico como resultado de intimidação, assédio ou vitimização processe o seu empregador por negligência se, tendo sido devidamente informado, o empregador não toma nenhuma medida contra os autores do constrangimento ilegal. 39
Registre-se, por fim, que em março de 2005 foi estabelecido o precedente no qual a Corte de Apelação confirmou que a Lei de Proteção contra o Assédio se aplica ao assédio praticado no local de trabalho e que o empregador será responsável em substituição pelo assédio praticado por um empregado, respeitadas as regras normais de responsabilidade por substituição (vicarious liability rules).40
4.8. Alemanha
Na República Federal Alemã não inexiste uma lei específica a respeito do assédio moral no trabalho. O conceito de assédio moral tem sido construído pela jurisprudência a partir de princípios gerais expressos na Constituição alemã, tais como a inviolabilidade e inalienabilidade dos direitos fundamentais (art. 1.º); o direito à liberdade, à vida, à incolumidade física e ao livre desenvolvimento da personalidade humana (art. 2.º) e a proibição de discriminação por motivo de sexo, origem, credo, concepção política ou religião (art. 3.º da Constituição).
Com base em tais premissas, o assédio moral no trabalho tem sido visto como um atentado aos direitos fundamentais do ser humano. Nesse, sentido já se decidiu ser proibido atingir os direitos de personalidade do empregado por meio de ataques à sua personalidade ou à sua liberdade provocados pelo empregador, o qual deve manter um ambiente de trabalho sadio.41
A respeito da configuração do assédio moral no trabalho, a jurisprudência alemã tem entendido serem necessárias a repetição e a duração dos ataques à vítima, bem como a intencionalidade dos atos.42
Os requisitos para a configuração do assédio moral como doença ocupacional são: estar existência de um acidente, prejuízo à saúde do empregado, existência de nexo de causalidade entre as atividades do segurado e o acidente, bem como entre o acidente e o prejuízo causado à saúde.43 Uma parte da jurisprudência alemã tem admitido que o assédio moral possa gerar doenças físicas e psíquicas, tais como hipertensão arterial44 e depressão45.E nesse caso a vítima teria direito a indenização por danos morais decorrentes da humilhação sofrida, a qual pode chegar ao valor de 1000 (mil) Euros.46
Outra corrente jurisprudencial alemã, todavia, não considera o assédio moral doença profissional, por falta de evidências médicas.47
5. Organização Internacional do Trabalho (OIT)
A luta pelo fim da discriminação em matéria de trabalho e emprego é um dos princípios fundamentais da OIT na busca da justiça social e respeito aos direitos humanos, de modo que todos os Estados-Membros são obrigados a respeitar esses direitos fundamentais, hoje consubstanciados em várias Convenções, ainda que não as tenham ratificado.
As regras da Convenção 111, que proíbe qualquer tipo de discriminação, devem ser observadas como verdadeiros “sobreprincípios” dentro do ordenamento jurídico interno de cada país-membro, o qual deve tomar as medidas necessárias para coibir e reprimir o assédio moral.
Nesse sentido, assim dispõe a Convenção 111:
“As medidas especiais de proteção ou de assistência previstas em outras convenções ou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não são consideradas como discriminação (art.5º, I).
Qualquer distinção, exclusão ou preferência, com base em qualificações exigidas para um determinado emprego, não será considerada como discriminação.”
Vale destacar que a Organização Internacional do Trabalho, quando da adoção da “Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento”, em 1998, elegeu a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação como um desses princípios e direitos fundamentais no trabalho, ao lado da liberdade sindical e da eliminação do trabalho forçado e infantil.
Tal Declaração estabelece uma obrigatoriedade de respeito a tais direitos fundamentais, independentemente de ratificação das respectivas Convenções (nº 29, 87, 98, 100, 105, 111, 138 e 182).
6. União Européia
No âmbito da União Européia, ainda não foi adotada uma diretiva, de efeito vinculante, a respeito do assédio moral, como já existe em relação ao assédio sexual, regulado pela Diretiva 2002/073/CE, a qual prevê inclusive um código de conduta para coibir o assédio sexual.
Em matéria de assédio moral, a iniciativa mais relevante consiste na Resolução A5-0283/2001, do Parlamento Europeu sobre o assédio no local de trabalho (2001/2339 (INI)), publicada no Jornal Oficial C 77 E, de 28 de março de 2002.48
Decidiu-se editar a Resolução a partir de um estudo efetuado pela Fundação Dublin junto a 21 500 trabalhadores, no qual 8% dos trabalhadores da União Européia, ou seja, 12 milhões de pessoas, declararam ter sido vítimas de assédio moral no trabalho no decurso dos 12 meses precedentes à pesquisa. No estudo também se observou que a freqüência do assédio variou muito entre os Estados-membros devido a, dentre outros fatores, à subnotificação de casos em certos países, a uma maior sensibilização em outros e a diferenças entre culturas e entre sistemas jurídicos.
Esses foram os principais motivos que tornaram realidade a Resolução. Ela não define o que seja assédio moral, e se limita a um conteúdo muito mais programático. Ela apenas alerta para alguns fatos, dentre os quais destacam-se: (i) maior incidência do assédio moral nos contratos a termo e precários; (ii) serem as mulheres as principais vítimas do assédio moral; e (iii) a importância de se adotar medidas preventivas do assédio no local de trabalho. E convida os Estados-membros a regulamentarem o assédio moral, por meio de leis ou pela negociação coletiva de trabalho, inclusive a nível comunitário.
Por fim, em seu item 24, a Resolução convida a Comissão Européia a apresentar, o mais tardar em Março de 2002, uma análise detalhada da situação a respeito do assédio moral no trabalho em cada um dos Estados-membros e a apresentar seguidamente, o mais tardar em Outubro de 2002, com base nessa análise, um programa de ação que contenha medidas a nível comunitário contra o assédio moral no trabalho, o qual deverá incluir um calendário de realização; o qual não foi até agora cumprido49.
Sônia Mascaro Nascimento é Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo, advogada e consultora, Presidente da Comissão de Estudos em Direito e Processo do Trabalho.
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Notas de Rodapé
1 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. “Saúde mental para e pelo trabalho”, in Revista LTr nº 67-06/670, junho de 2003.
2 DEJOURS, Christophe. “A loucura do trabalho - estudo de psicopatologia do trabalho”. 5ª ed., São Paulo: Cortez Editora - Oboré, 1992, p.14-25 apud FONSECA (op. Cit.)
3 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques da. “Saúde mental para e pelo trabalho”, in Revista LTr nº 67-06/670, junho de 2003.
4 LEYMANN, Heinz. The mobbing encyclopaedia; file 13100e. in -http://www. leymann.se/ English/frame. html - 06.04.2004.
5 SCHMIDT, Martha Halfeld Furtado de Mendonça. “O assédio moral no Direito do Trabalho”. In Rev. TRT 9ª R. Curitiba, nº 47, p. 177-226, jan/jun 2002.
6 “Direitos Humanos Fundamentais do Trabalho - Dano Moral” - Jornal do 11º Congresso Brasileiro de Direito do Trabalho - Ed. LTr - 25 e 26 de março/2003 - pg.22
7 Hirigoyen, Marie France - Molestie morali - apud MONATERI, Píer Giuseppe, BONA, Marco, OLIVA, Umberto.
“O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho”. RTDC, vol. 7, jul/set 2001, p.130.
8 Do manual anti-Bullying do MSF Union - sindicato inglês
9 "O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho“ RTDC, vol. 7, jul/set 2001.
10 Acórdão nº 9029/2002 - TRT 17ª Região - 1142.2001.006. 17.00.9 - Publicado no D.O. E: 15/10/2002.
11 LEYMANN, Heinz. The mobbing encyclopaedia; file 13100e. in -http://www. leymann.se/ English/frame. html - 06.04.2004.
12 MOURA, Mauro de. O psicoterror pode destruir uma pessoa em apenas uma semana.
13 “Direitos Humanos Fundamentais do Trabalho - Dano Moral” - Jornal do 11º Congresso Brasileiro de direito do Trabalho - Ed. LTr - 25 e 26 de março/2003 - pg. 22.
14 O que é discutível pela ausência de um tempo e reiteração razoável para formação do dano psíquico.
15 Promovido pela LTr. São Paulo, novembro/2003.
16 FRANÇA. Code du Travail. Disponível em: . Acesso em: 18 set. 2007.
17 PORTUGAL. Código do Trabalho. Disponível em:
. Acesso em 18 set. 2007.
18 ESPANHA. Estatuto de los Trabajadores. Disponível em: . Acesso em 18 set. 2007.
19 ESPANHA. Ley 51/2003. Disponível em: 20 ESPANHA. Código Penal. Disponível em: Acesso em 26 out. 2007.
21 No mesmo sentido, vide as seguintes decisões: (i) Juzg. de lo Social nº 21, Barcelona, 13.11.02, (ii) Trib.Sup. Just. Comunidad Valenciana, Sala de lo Contencioso- Administrativo, 29.9.01; (iii) Juzg. de lo Social n° 2, Girona, 19.8.02, e (iv) Trib. Sup. Just. Canarias, Sala de lo Cont. Adm., Santa Cruz de Tenerife, 27.2.03. Todas as decisões estão disponíveis no site: . Acesso em 26 out. 2007.
22 ESPANHA. Trib. Sup. Just. Navarra, Sala de lo Social, 18.5.01. Disponível em: . Acesso em 26 out. 2007.
23 ESPANHA. Juzg. de lo Social nº 36, Madrid, 29.4.03. Disponível no site: . Acesso em 26 out. 2007.
24 ESPANHA. Juzgado de lo Social nº3, Vigo, 28.02.02. Acesso em 26 out. 2007. A respeito desse tema, cite-se também a Sentença da Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Canarias, de 3 de Fevereiro de 2006, que condenou solidariamente a empresa e o gerente da mesma, como sujeito ativo do assédio sofrido pela trabalhadora. Decisão disponível em: http://www.acosomor al.org/ETorres11 .htm. Acesso em 26 out. 2007.
25 ESPANHA. Sentencias: de 16 de noviembre de 2004, de la Sala de lo Social; de 17 de febrero de 2005, de la Sala de lo Contencioso- Administrativo; y de 6 de octubre de 2005, de la Sala de lo Social de la Rioja. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
26 ESPANHA. Sentencia del Juzgado de lo Social nº 2 de Valladolid, de 2 de Octubre de 2006. Disponível em: < http://www.acosomor al.org/ETorres6. htm>. Acesso em 29 out. 2007. No mesmo sentido, ver a Sentencia de la Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Madrid, de 28 de Noviembre de 2006. Disponível em: Acesso em 29 out. 2007.
27 ESPANHA. Sentencia de la Sala de lo Contencioso- Administrativo de la Audiencia Nacional, de 11 de Octubre del 2006. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
28 MONATERI, Píer Giuseppe; BONA, Marco; OLIVA, Umberto. O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 2, nº 7, p. 127-51, jul/set 2001.
29 Pret. Milão, 1/04/1998, em D.L. Riv. Critica dir.lav., 1998, 992
30 30 de maio de 1997, em D.L.Riv. critica dir. lav., 1997, 789 - in MONATERI, Píer Giuseppe; BONA, Marco; OLIVA, Umberto. O mobbing como legal framework: a nova abordagem italiana ao assédio moral no trabalho. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 2, nº 7, p. 127-51, jul/set 2001.
31 CHILE. Codigo del Trabajo. Disponível: < http://www.dt. gob.cl/legislaci on/1611/article- 59096.html.> Acesso em 18 set. 2007.
32 COLOMBIA. Ley 1010/2006. Disponível em:
. Acesso em 26 out. 2007.
33 GRÃ-BRETANHA. Health & Safety at Work Act 1974. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
34 GRÃ-BRETANHA. Trade Union Reform and Employment Rights Act 1993. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
35 GRÃ-BRETANHA. Criminal Justice & Public Order Act 1994. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
36 GRÃ-BRETANHA. Protection from Harassment Act 1997: Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
37 GRÃ-BRETANHA. Sheriff v. Klyne Tugs (Lowestoft) Ltd. [1999] IRLR 481, (CA). Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
38 Nesse sentido, vide o caso Fernandes v. Netcom Consultants (ET 2200060/00), no qual um ex-executivo de finanças, Antonio Fernandes, ajuizou demanda após ter sido injustamente despedido por ter enviado por fax à matriz norte-americana detalhes a respeito de comprovantes irregulares de despesa feitos pelo seu gerente. Pela despedida injusta, Fernandes ganhou uma indenização de £293,441 (duas mil novecentos e três quatrocentos e quarenta e uma libras esterlinas). Sumário da decisão disponível em: < http://www.pcaw. co.uk/policy_ pub/case_ summaries. html>. Acesso em 29 out. 2007.
39 GRÃ-BRETANHA. Waters v. Comissioner of Police of the Metropolis [1997] ICR 1073. Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
40 GRÃ-BRETANHA. Majrowski v Guy’s & St Thomas’s NHS Trust [2005] EWCA Civ 251 (16 March 2005). Disponível em: . Acesso em 29 out. 2007.
41 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 5. Kammer. R Sa. 403/00. 10.4.2001. 2 Ga. 8/2000. ArbG Gera. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
42 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 1. Kammer. 1 Sa 148/01. 10.6.2004. 4 CA 1775/00 ArbG Erfurt. Disponível em: < http://www.landesar beitsgericht. thueringen. de/urteile/ U1_14801. htm>. Acesso em 3. nov.2007.
43 COSERIU, Pablo. Mobbing und Sozial recht. Handbuch Mobbing-Rechtsschut z (recht in der praxis). WICKLER, Peter (org.). Heidelberg: Müller (C.F.Jur.), 2004. p. 322.
44 ALEMANHA. Landesozialgericht Rheinland-Pfalz L1 AL 110/0. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
45 ALEMANHA. Landesarbeitsgerich t Thüringen. 5. Kammer. R Sa. 403/00. 10.4.2001. 2 Ga. 8/2000. ArbG Gera. Disponível em: . Acesso em 3. nov.2007.
46 ALEMANHA. Oberlandesgericht Koblenz, Az.: 1 U 1161/04-6/05. Disponível em: . Acesso em 3 nov. 2007.
47 ALEMANHA. Sozialgericht Dortmund S 36U 267/02. Disponível em: < http://www.mdr. de/mdr-info/ urteile/582259. html>.Acesso em 3 nov.2007.
48 UNIÃO EUROPÉIA. Resolução 2001/2339 (INI). Disponível em: . Acesso 1. nov. 2007.
49 Pra uma apreciação crítica a respeito da efetividade desse item da Resolução, ver CARVALHO, Messias. Assédio Moral/Mobbing. Disponível em: . Acesso em 1. nov. 2007.
“Trabalho em Revista”, encarte de DOUTRINA “O TRABALHO” – Fascículo n.º 143, janeiro/2009, p. 4809